sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Doutor Fantástico

Peter Sellers 1

Tudo bem, o título do filme é desses que não fazem sentido, que criam um tipo de anti-clímax. Você fica achando que o tal doutor Fantástico deve ser super importante no filme e não tem nada a ver. Fora a tradução, que apesar de bizarríssima não teria saído nada muito melhor se traduzissem ao pé da letra. Claro que de onde tiraram essa adaptação de significado pra mim sempre será uma incógnita, e daí a eterna beleza do poder criativo dos tradutores lusófonos sempre colocando uma palavrinha ou subtítulo, verdadeiras obras de arte.
Bem que podiam ter deixado no original: Dr Strangelove or: how I learned to stop worrying and love the bomb. podíam até ter traduzido a segunda parte que ia ficar melhorzinho.
Mas enfim, vamos ao filme. Os motivos pelos quais eu decidi que ia gostar do filme, sem ler uma sinopse sequer eram: é um filme do Kubrick; está no top dos top do imdb (28º, quase 20 posições acima da Laranja Mecânica), é um clássico, deve ser bom.
Por que o filme é realmente bom: primeiro tem a fotografia, que é primorosa e bastante acima do nível do que se produzia na época. Segundo tem a temática, e principalmente o contexto na qual está inserida; e terceiro, o jeito como ela é mostrada.
Estamos falando de um filme sobre a guerra fria, bem no meio dela. De um período crítico em que os americanos se cagavam com a perspectiva dos mísseis em Cuba e na Rússia, e a população nem sempre aceitava muito bem ideias de fim do mundo ou holocausto nuclear pela própria perspectiva tão próxima dos fatos. E aí o Kubrick estava pensando em fazer uma adaptação séria de um livro de sucesso na época sobre a guerra, cheio de tensão pela disparada acidental de mísseis esquentando a corrida armamentista e percebeu o quanto aquilo tudo era idiota, e que nada poderia sair dali além de um filme de humor, ora.
Peter Sellers 2

E que filme! Não chego a dizer que é uma comédia, você fica mais na risada interna, enxergando a crítica que não é exatamente sutil, como se vê pelos próprios nomes dos personagens, mas que tem momentos que chegam a ser sublimes, como quando a paixão do povo americano pela Coca-Cola seria um fator importantíssimo para, literalmente, salvar o mundo. A base da tensão cômica acaba saindo mesmo dos diálogos, todos muito bem elaborados pra extrair o máximo das marcantes (e estereotipadas) personalidades em conflito. Mesmo o presidente russo que só se faz ver nas réplicas por telefone acaba tendo uma figura imaginária basante marcada, e igualmente caricata.
E então vem o quarto fator, que são as atuações. Todas muito boas, incluindo a de George C. Scott como o típico militar anti-comunista e Slim Pickens como o piloto texano patriota em sua mais pura definição. Claro que é ponto pacífico deixar por último o cara que teria feito o filme valer pena ser visto ainda que fosse ruim – e olha que Peter Sellers só assumiu três dos quatro papéis que tinha sido escalado para fazer no filme. Não dá pra dizer que suas atuações, tão distintas e bem caracterizadas não fizessem valer seu cahê de metade do orçamento do filme: o ator acabou não interpretando o major texano, mas brilha como o extremamente racional presidente dos EUA, Merkin Muffley, o capitão britânico (e que sotaque!) que tenta salvar o mundo com sua capacidade argumentativa, apesar do azar que o perseguia, e, finalmente, do inigualável dr. Strangelove. Sua figura estilosa (e estranhíssima), na cadeira de rodas propondo uma instituição poligâmica para perpetuar a humanidade enquanto sua mão apráxica insiste em saldar o III Reich é, no mínimo, memorável, e bastante emblemática da situação, em que parece que uma loucura, mas dessas bem psicóticas mesmo, vinda de um personagem como ele pode parecer a única solução para pessoas ou situações geradas nesse caos. É, talvez ele merecesse mesmo o título do filme.
Peter Sellers 3