domingo, 17 de outubro de 2010

Thanatos

Estava lá, deitada nesse calorão, você já dormindo, com a luz apagada abracei os seus ombros e eles me pareceram não tão familiares, não sei, talvez mais frios porque eu estava muito quente. Sem poder te ver passei a mão pelo seu rosto, com a barba sempre por fazer e ouvi sua respiração, e me aliviei - ela estava com o som e o cheiro que costumam embalar o meu sono. Como sempre faço, mesmo sabendo que você não pode ouvir, ou talvez com uma esperança de que você ouça lá no fundo e sonhe comigo, sussurrei que te amo. Rolei de um lado pro outro inquieta, me cobrindo e descobrindo com o lençol, talvez fosse melhor ligar o ventilador, talvez levantar de uma vez e pegar um livro pra ler, mas não quero te acordar. E foi no momento de pré sono, quando as ondas cerebrais entram naquele frenesi de semi-consciência que nos fazem ter a recorrente impressão de estarmos caindo, foi naquele nomento que eu acordei assustada. Percebi um medo que eu nunca tinha tido, que de tão absurdo e irracional se torna um desses medos dignos de se ter medo, porque sem a racionalização não tem como expiá-los. Sempre pensei que o meu pior medo fosse te perder, que você deixasse de me amar, mas apesar da dor impensável, da total mudança de cotidiano e de perspectivas, do enorme vazio que me deixaria, ainda faz sentido, já que é um medo de uma coisa alheia a mim e que depende da sua vontade, dos seus sentimentos, e apesar de tudo acho que talvez pudesse entender que você quisesse algo a mais do que simplesmente eu algum dia, que esse dia seja nunca. Mas o medo indizível, que me paralisou ali na volta à consciência e que eu imdiatamente reconheci como vencedor em relação ao anterior foi o medo indizível de que seja eu quem deixe de te amar um dia. Assim, de repente, do mesmo jeito que quando abracei seus ombros por um momento me pareceu que não era você, que um dia eu te olhe e enxergue que nunca foi você. Eu sei que faz menos sentido ainda que o medo anterior, mas de outra forma é o único medo que faz sentido, porque é um medo ancestral, contrário ao medo natural do que eu não posso controlar, como os seus sentimentos - é o medo maior, da loucura, da perda do controle sobre si, da perda da identidade e da compreensão, da perda do mundo todo. É pesado esse insight do quanto a minha existência é relativa, de quão literalmente é você e te amar que me definem. Mas o peso é tão momentâneo quanto o próprio insight, porque o amor é tão leve e o medo é tão absurdamente aterrador quanto absurdamente bobo. O ritmo do meu coração normaliza, viro e te abraço de novo, seus ombros são os seus mesmo. Encosto os lábios no seu rosto pra aplacar a vontade de morder seu lábio pra ter crteza de que você existe. Tento sincronizar a minha respiração com a sua, porque esse ritmo de unidade sempre me faz dormir mais rápido, como se fosse o próprio Thanatos escondido nessa atitude simples que me puxasse para sonhos de que nunca me lembro.