segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira


A sensação como saímos do cinema deve ser capaz de dizer algo sobre o filme que acabamos de ver. Os últimos filmes a que assisti e de que me lembro foram Batman - Cavaleiro das Trevas, que me fez sair da sala com uma sensação de frio na barriga igual àquela de quando fecham a sua trava no Evolution, e Juno, que me fez sair com um sorriso meio bobo e vontade de ouvir música ruim.
A sensação que tive sábado ao terminar de ver Ensaio Sobre a Cegueira está me acompanhando até agora, mas muito mais difícil de determinar. Saí com vontade de chorar, mas não de tristeza ou comoção, mas daquele choro amargo de raiva de si mesmo, de desespero, de culpa. Sinto que o filme entrou em mim e lembranças e pensamentos ao seu respeito aparecem na minha cabeça de vez em quando e atrasaram o meu sono à noite. Saí com a sensação de que preciso ver o filme de novo, quase compulsivamente, e que ao mesmo tempo posso assisitr quantas vezes for e vou continuar igualmente cega.
Infelizmente ainda não li o livro que deu o Nobel a Saramago, o que talvez tenha me ajudado a ver o filme sem todo aquele juízo de valor que a comparação com o livro inevitavelmente traz (talvez eu não tivesse odiado O Caçador de Pipas se eu não tivesse lido o livro; e O Código daVinci... não, esse é um lixo mesmo, eu teria odiado de qualquer jeito). Mas achei o clima surreal meio parecido com o de As Intermitências da Morte, apesar de a força da metáfora ser mais forte.
É uma história de algum lugar (uma cidade? um país? o mundo todo?) em que se instala uma epidemia de cegueira, uma cegueira branca contagiosa e sem cura. Os primeiros afetados são atirados em um hospíco desativado numa quarentena forçada. Acontece que a Esposa do Doutor diz estar cega para acompanhá-lo, e se vê em uma situação quase insustentável conforrme vão chegando mais e mais doentes - e cada vez mais responsabilidades - sendo ela a única a enxergar.
O filme tem um clima bem apocalíptico e não pretende vender uma daquelas histórias de ficção científica com uma explicação sobre de onde veio o agente da "doença branca" ou de uma conspiração do governo para encobrí-la, nada do tipo Eu sou lenda (que, aliás, também conta com Alice Braga no elenco, mas não vamos viajar, esse filme é um verdadeiro lixo), o que talvez seja o que fez com que alguns tenham achado a história do filme ruim. Bem, talvez seja porque nada disso que eu disse sobre a trama seja de fato importante; o filme é uma algoria, e como eu já disse, a história é só um argumento meio surreal pra desenvolvê-la.
Não é um filme leve pra assistir com a mamãe num domingo à tarde. Na verdade, antes de chegar à versão cortada a que podemos assistir no cinema, o diretor Fernando Meirelles disse no blog que manteve sobre [as dificuldades d]a produção do filme que no test screening de fevereiro, 58 mulheres (de 540 pessoas que estavam assistindo) saíram no meio da sessão.
Também não me parece que o filme não prenda ou que a história se perca ao tentar passar para as telas um livro que, em 1995 Saramago disse ser "infilmável". Parece que o mesmo Saramago mudou de idéia ao emocionar-se às lágrimas quando, proibido por seu médico de ir à abertura do Festival de Cannes terminou de ver a cópia que Meirelles levou-lhe em Portugal, três dias depois. E ainda disse ter ficado tão feliz depois de ver o filme quanto ficou depois de ter escrito o livro. Claro que não é suficiente pra dobrar a língua dos críticos por aí - é um filme bem daqueles ame-o ou odeio-o, num estilo meio Dogville.

Fora as ótimas atuações (principalmente da Juliane Moore) e do trabalho primoroso de Meirelles com as cenas (O Jardineiro Fiel e Cidade de Deus são excelentes, mas esse filme é uma obra-prima), o mais impressionte é o quanto o filme é intenso, em como ao ver Ensaio Sobre a Cegueira você vai passar pela maioria das sensações e sentimentos humanos - a desconfiança, o desespero, o ódio, a revolta, a humilhação, o medo, e claro, a esperança, tudo de uma forma rápida e delineada pela trilha sonora, a partir de uma identificação com personagens de quem só se sabe serem o "Doutor", a "Esposa do Doutor", a "Mulher de óculos escuros" ou o "Homem de tapa-olho".

Enfim, amem ou odeiem, mas vão ver esse filme.

4 comentários:

Douglas Neves disse...

Hm, já estava com vontade de ver esse filme antes, agora mais ainda :)

Apesar que eu detestei DogVille... não que uma coisa tenha a ver com a outra, hehehe

E gostei do jeito que você fez o seu contador, vou copiar, haha :D

Daniel Drewiacki disse...

Eh, eu também to doido pra ver esse filme, soh que ainda nao tive tempo. Quem sabe no final de semana. Legal que vc gostou do filme, me senti ainda mais animado =)

Bjos

Daniel Drewiacki disse...

Agora sim já vi o filme e concordo com vc: é uma obra-prima!
Fiz até um post sobre o filme.
Bjos!

Unknown disse...

Ah, que bom ver que você também gostou. Taí outro filme com mixed reviews - em grande parte pro negativo - e que no fim é uma baita película, apesar de as críticas xexelentas recebidas (que em grande parte, creio terem vindo de críticos que olharam pra dentro de si mesmos e se assustaram com o que viram).

O legal do filme é demonstrar que se os seres humanos tiverem a mínima chance, irão mostrar as suas cores verdadeiras. Despidos de todas aquelas amarras sociais, mostram o quão violentos podem ser. Interessante que mesmo nesse aparente caos, de forma antropofágica, acabam-se criando novas estruturas sociais e também novos papéis pros indivíduos nela presentes.

Não irei falar mais para não spoilar. Mas gostei muito do filme. É um filme que não te dá vontade imediata de o reassistir, mas por ser tão visceral, é algo único.

A direção do Meirelles atua de forma perfeita, e a edição mostra exatamente o que deve ser mostrado pra se atingir no pâncreas o espectador. Aqui, não há exatamente o uso de cenas explícitas de violência gore - que acabariam por dessensibilizar a audiência -, mas sim o "deixar de mostrar", que afeta muito mais, pois impõe à nossa consciência um efeito exponencialmente maior. O lance de usar a branquidão, com leves vultos e sonoplastia angustiante com certeza eleva o impacto emocional ao máximo.

Bjo! E tentarei acompanhar o blog com regularidade daqui pra frente.