terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Um livro para meninas

Apesar do meu punhado de livros pra ler, todos lá esperando do lado da minha cama, ganhei de presente da minha vó o best-seller Crepúsculo, da Stephenie Meyer, que tá fazendo um baita sucesso por aí. Quando fiquei sabendo que eram 4 livros, resolvi começar logo a ler pra ver se terminava antes do prazo de troca e ir na livraria pegar o segundo (rs), mas como foi presente, não sou (muito) trambiqueira, e já prometi emprestar o livro pra meio mundo, me conveci de que não ia trocar o livro, e sim ler rápido o bastante para poder ganhar o próximo de aniversário.
Confesso que nunca tinha ouvido falar da série, a não ser quando minha vó comentou que estava saindo um filme de vampiros baseado em um bestseller, e que devia ser bonitinho. Por um momento me perguntei como diabos um filme de vampiros seria bonitinho, mas desencanei; depois vi o teaser do filme na tv, e foi só. Quando ganhei o livro de presente, li a contracapa e as orelhas (juro que um dia vou parar de fazer isso, porque geralmente acaba estragando pelo menos alguma surpresa do livro). Nada muito chamativo, comecei a ler lembrando dos outros bestsellers de vampiro de que eu tanto gosto.
Aí foi dando pra perceber por que a minha vó classificaria como "bonitinho" um filme sobre vampiros. Nada cheio de ação, lutas e mortes, como os livros do André Vianco; nada sombrio e sensual, como a Anne Rice. Não, o livro parecia mais com algo do tipo "Se a Mia Thermopolis se apaixonasse por um vampiro..." (Mia Thermopolis é a protagonista da série da Meg Cabot, O Diário da Princesa).
O livro é sobre uma paixão adolescente mesmo, com um enredo até certo ponto digno de filme da Disney. A protagonista é Isabella Swan (só Bella), que se muda do ensolarado Arizona pra uma odiada e chuvosa cidadezinha em Washington para morar com seu pai. Quando chega na escola, torna-se o centro das atenções por ser a garota nova da cidade grande, mas apesar dos diversos garotos caindo a seus pés, o centro das atenções dela é a família Cullen, composta por 5 jovens lindos, maravilhosos e isolados do resto da escola. Sempre que está no refeitório, não consegue desviar a atenção do estranhamente belo e pálido grupo, os dois casais (calma, eles são filhos adotivos de um pai casamenteiro) Emmet e Rosalie, Jasper e Alice, e, particularmente, Edward.
O bonitão solteiro não fica indiferente à moça, e age muito estranhamente, lançando-lhe olhares de indignação, nojo e raiva, depois a ignorando completamente, e, finalmente, resolvendo ser gentil e conversar com ela.
Considerando que vocês também devem ler a contracapa e as orelhas do livro, ou ver o trailer do filme, não considero spoiler contar mais que isso; ambos ficam extremamente envolvidos, e Bella, após ver coisas estranhas (como a supervelocidade e a força sobrenatural de Edward) e ouvir as lendas indígenas do local (sabe como é, o de sempre), acaba chegando à conclusão de que seu amado é um vampiro.
É isso, um romacezinho adolescente bem açucarado e previsível... que eu não consegui largar antes de chegar ao fim. Devo ter lido as 400 páginas em umas 8h, divididas em 2 dias, o que contraria absolutamente tudo o que eu disse anteriormente que parecia apontar que eu não gostei. Gostei sim. Como eu disse no título, é um livro pra meninas, e eu sou uma menina, apesar de não parecer. Mais do que isso, é um livro pra pessoas românticas, e talvez pelas garotas serem mais propensas a isso, avaliei o livro dessa forma. Mas não desfaço minha impressão de que um homem (ou mesmo uma mulher como a Anne Rice) não poderia tê-lo escrito.
Essa é a Stephenie Meyer, coloquei as duas fotos só porque
quando as encontrei, fiquei impressionada com
o que um
corte de cabelo e uma maquiagem pode fazer com uma pessoa...


Como eu já disse em outro post também, reconheço o mérito de livros que conseguem vender aos montes, e fazer milhões de crianças e adolescentes largarem a televisão por uns instantes. Claro que logo depois eles se enfiam nas milhares de comunidades, blogs e fãs-clubes do mais recente casal de heróis do livro novo, mas isso também é inevitável. Sair um filme do livro rapidinho pra ver se botam de novo os adolescentes na frente da tela e uns milhões no bolso também é.
E também já falei um pouco da receita desses best-sellers - linguagem simples (o fato de serem traduzidos de outra língua costuma ajudar), parágrafos, frases e idéias curtas. Uma uniformidade estilística que me faz ser incapaz de distinguir a individualidade dos autores se me derem só os textos pra ler (menos o Stephen King, porque ele é demais). Só que Stephenie Meyer, nesse livro, tem um mérito a mais: poucas vezes eu consegui me identificar tanto com um personagem.
Com a vantagem de ser em primeira pessoa, o que dispensa auto-descrições, o leitor literalmente é Bella Swan, pensa o que ela pensa, vê o que ela vê, tudo atravás dos olhos de uma garota comum, afinal quem não se acha esquisita, tem problemas de comunicação com os pais, odeia as pessoas da escola (e a educação física) e sonha com o príncipe encantado? Pelo menos pra mim, o apelo funcionou bem, e eu ri junto com ela, fiquei angustiada, esperava ansiosa pra ver se Edward iria à escola hoje, se apareceria de novo pra me salvar na hora certa... e antes da página 150, eu também estava perdidamente apaixonada por Edward Cullen, pensando em quando o veria de novo após largar o livro pros "afazeres humanos", que de repente pareciam supérfluos, como comer.
Afinal, não é difícil se apaixoinar por um cara cujo único e terrível defeito é justamente algo tão fascinante como ser um vampiro fofo que nem se alimenta de sangue humano. É demais para a cabeça de qualquer uma. E fora o comum de Bella que a faz se identificar fácil com o leitor, não dá pra esquecer do sentimento que permeia os parágrafos, tudo descrito em primeira pessoa, tudo tão real. Todo mundo que já esteve apaixonado é capaz de se reconhecer nas páginas do livro - afinal, todo apaixonado é um melodramático romântico pronto a dar a vida por seu amor exageradamente maravilhoso (oh, meu deus, o que ele pode ter visto em alguém como eu?). E é por isso que eu perdôo o teor totalmente açucarado, exagerado e adolescente de Crepúsculo, e estou relativamente ansiosa para ler a continuação, Lua Nova (não é nada como um Harry Potter, mas enfim).
Objetivamente, reitero o que eu disse - não recomendo esse livro pra ninguém que ou não esteja na adolescência ou que ache sentir-se um adolescente de novo é algo idiota e quer fazer algo mais útil da vida, algo interessante como fazer o imposto de renda. Porque é difícil pensar em alguma coisa divertida na vida de um adulto que não seja fazer algo de criança ou de adolescente de novo, não é? Recomendo o livro pros românticos e apaixonados, ou que querem se apaixonar de novo, e talvez até pros meninos. Afinal, não vamos subestimá-los, não é, se eu sou capaz de entender e gostar de um livro eminentemente para homens de 40 e poucos, como O Lobo da Estepe, porque um cara não poderia gostar de um livro pra meninas de 17? É uma questão de ser eclético e de ser capaz de se identificar simplesmente com sentimentos humanos.
Pra esse post não ficar muito grande, vou falar do filme só amanhã! =)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Sidney Harris

Um belo dia fui estudar pra uma prova de japonês na Biblioteca Central da Unicamp, e, pra variar, resolvi perder um pouquinho de tempo na livraria que tem lá dentro. Tinha uma mesa do lado de fora cheia de livros da editora da Unicamp, da Unesp, etc na promoção, e livro em promoão é um perigo pra mim. O que algumas pessoas têm com sapatos, roupas, jogos eu tenho com livros, e admito que meu consumismo literário é superior à minha capacidade de leitura. E como eu tinha ido há pouco tempo na Bienal e atualizado minha já grande fila de livros pra ler, senti a consciência pesar e resolvi não comprar nenhum livro de 400 páginas sem figuras (porque eu estava bem inclinada a comprar um do Eric Hobsbawm). Foi aí que eu vi o livro "A Ciência Ri", uma coletânea do cartunista Sidney Harris.
É, eu nunca tinha ouvido falar nele também, mas um livro de tirinhas, charges, cartuns sempre é uma boa opção pra quem está sem tempo de ler. Depois de dar uma folheada, não foi difícil admirar seu humor tipicamente nerd sobre Biologia, Medicina, Psicanálise, Matemática, Física ou Tecnologia. E foi mais fácil ainda comprar o livro e não resistir a ler inteirinho até de tarde. Mas eu até que consegui estudar pra prova de japonês.
Sidney Harris é um cartunista americano nascido no Brooklin e formado em arte. Começou sua carreira em 1955 e publicou em vários dos mais importantes periódicos de ciência dos EUA, como American Scientist, Science, Discover, Physics Today, The New Yorker, The Wall Street Journal, entre outros.
Apesar de não ter nenhuma formação científica, ele dá conta de tirar o humor de diversas especificidades das mais diversas áreas, então não fique triste se você não entender alguma piada (pelo menos eu não entendi várias). As charges dos meus posts sobre ciência são dele, e eu tirei desse site, que tem algumas horas de diversão.
E, pra ilustrar esse post, vou aproveitar que semana que vem já é Natal e colocar algumas das charges dele sobre esse tema, que são malvadas mas pegam bem o espírito natalino de hoje em dia...

Doe aos ateus e agnósticos necessitados que
não têm nenhum feriado nessa época do ano

"Diga - o que todo esse negócio religioso
está fazendo nesses cartões de Natal?"

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Educação

Eu sei que a notícia é meio velha, mas como faz parte do meu dia-a-dia, resolvi colocar aqui. As fontes são o Jornal de Londrina e o portal Paraná Online.

A colação de grau de 14 alunos do curso de Medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL) foi suspensa, após aprovação de uma moção de repúdio do Conselho Universitário (Coun). No último dia 20, depois de uma comemoração de final de curso, os estudantes resolveram prolongar a festa no Hospital Universitário (HU). Segundo a coordenadora, funcionários do PS disseram que os alunos entraram no local portando bebidas alcoólicas, alguns em estágio de embriaguez, fazendo “apitaço” e soltando fogos de artifício no pátio do hospital. “Os pacientes e funcionários ficaram assustados, alguns acharam que o prédio estava sendo invadido, além de o atendimento ficar prejudicado”, comenta. A conduta contraria o regimento interno da instituição. Em ofícios encaminhados à direção da UEL, o diretor superintendente do HU, Francisco Eugenio de Souza e o diretor-clínico, Marcos César de Camargo, pedem providências para a conduta incomum e reprovável dos estudantes. “Entre as medidas cabíveis neste caso estão a reprovação dos acadêmicos no estágio, uma vez que as notas não foram lançadas, com isso não houve a conclusão do oficial do curso. Desta forma, os estudantes serão obrigados a refazer todo o estágio. Eles também poderão receber uma reprimenda oral e em última instância serem expulsos do curso”, explica a coordenadora do curso de medicina. Sem a colação de grau, os 14 alunos ficam impedidos de se inscrever para a residência médica, tendo que esperar, no mínimo, mais um ano para isso. A única forma dos estudantes envolvidos na confusão colarem grau é com a obtenção de um mandado de segurança. André Ramos Sorgi Macedo, que se identificou como um dos estudantes que participaram da festa, negou as acusações feitas pela direção do HU. Segundo Macedo, cerca de 50 formandos participaram da comemoração e todos os funcionários e pacientes foram avisados com antecedência da realização da troca de plantão. “Este é um ritual tradicional quando os formandos passam o plantão para os alunos do quinto ano do curso. Algumas pessoas cantaram mais alto, porém, nós avisamos a todos e os pacientes ficaram isolados, alguns até participaram e riram da brincadeira. Não ficamos mais de 15 minutos no corredor do PS. Com isso, o atendimento não foi prejudicado como a direção afirma”, explica. De acordo com o acadêmico, nenhum dos formandos estava bêbado, no entanto, ele confirmou que foram levadas três garrafas de champanhe para dentro do PS. “Talvez o único excesso foi levar as garrafas para dentro do hospital e uma que estourou e sujou o chão. No entanto, ninguém estava embriagado”, afirma. Macedo também nega que os formandos tentaram quebrar equipamentos e acusou o diretor clínico do hospital, doutor Marcos César de Camargo, de chamá-los de marginais. “Nós nem encostamos as mãos nos equipamentos, pois ficamos apenas no corredor. O diretor clínico do hospital, que estava de plantão no dia, foi quem chegou nos chamando de marginais e que teríamos 10 minutos para deixar o PS. Porém, na nossa turma não há nenhum marginal”, ressalta.

"Eu quase me formei."


É, tem muita gente discutindo a educação médica por aí, mas o que me parece que está faltando bastante é a educação em casa mesmo. É inaceitável que um bando de idiotas que não é capaz de respeitar um ambiente hospitalar estejam lá, fazendo o juramento de hipócrates e de CRM nas mãos, cuidando dos outros.
Agora chamar de "tradição" um monte de gente comemorando de forma barulhenta num lugar em que as pessoas estão sofrendo, com dor, doentes, pra mim é muita cara de pau. Pra mim são sim, um bando de marginais.
E não acho que seja só lá no Paraná não, dá pra ver algum tipo de falta de respeito com os pacientes todo dia na minha faculdade também. Não me surpreenderia se a notícia fosse de lá, nem se o idiota tentando justificar o injustificável como tradição, brincadeira inofensiva e todo o blábláblá de sempre fosse da minha sala. Afinal, eu já ouvi cada uma...

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Ciência 4: do para onde vamos ao de onde viemos

Quase acabei de ler o livro sobre Filosofia da Religião que estava lendo, e retomei O Mundo de Sofia e o Fundamentos de Filosofia, do Gilberto Cotrim, meu livro do colegial que ficava o ano todo trancado no armário sem ver a luz do dia. Isso porque eu acabei indo atrás de Descartes e outros filósofos por causa do post passado, e estava me sentindo meio burra nesse livro de Filosofia da Religião, já que o autor é meio academicista e gosta bastante de fazer citações sobre as quais me dei conta de saber muito pouco.

Demorei pra escrever esse post porque estava esperando os comentários – nenhuma idéia muito bem formada substitui uma boa discussão - e já que eu me propus a separar a última parte da série sobre ciência em duas, não faria sentido escrever o texto inteiro que estava na minha cabeça naquele momento e cortá-lo em dois. Por isso o que está saindo aqui está bem diferente do que eu imaginei ou do que eu teria escrito semana passada, mesmo porque andei lendo muito essa semana, e o que as pessoas comentam sempre ajudam a manter as idéias mais vivas.


Vamos começar pelos dogmas. Um dogma é uma verdade inquestionável, e uma doutrina é dogmática quando defende a possibilidade de atingirmos a verdade. O dogmatismo ingênuo é aquele do senso comum, que acaba simplesmente ignorando a existência da chamada “Teoria do Conhecimento”, e não vêem, portanto, nenhum problema na relação do sujeito conhecedor e do objeto conhecido – ou seja, não é difícil ver o mundo como ele é. Já o dogmatismo crítico diz que unindo os esforços de nossos sentidos e de nossa inteligência, temos capacidade de apreender a verdade. Prestem atenção aí que estamos falando dos sentidos – empirismo – junto com a inteligência – razão –, ficando claro que o dogmatismo crítico defende que aliando o método, a razão e a ciência, o ser humano se torna capaz de conhecer a realidade do mundo. Daí, dizer que pelo fato de buscar a experiência empírica, a ciência “não aceita dogmas” é um pouco equivocado, como vários filósofos acabaram provando no decorrer dos séculos. Por isso volto a defender que o dogma daqueles que acreditam cegamente na ciência é tão forte quanto aquele dos religiosos.

Já que eu falei dela, a Teoria do Conhecimento está entre os grandes temas da Filosofia desde a Grécia. Como o homem pode compreender a si e ao mundo se há limitações na própria capacidade humana de entender? É um tema muito amplo, e defende-se principalmente o empirismo e o racionalismo como origens do conhecimento e, as principais correntes que explicam a possibilidade do conhecimento são, bem grosseiramente:

  • Ceticismo absoluto: os representantes principais foram Górgias e Pirro, que diziam que todo conhecimento é subjetivo, sujeito aos erros do sentido e à limitação de nossa inteligência (para Pirro, isso era óbvio pela existência de opiniões tão diferentes e contraditórias pelos homens), sendo que assim nada é verdadeiro;
  • Subjetivismo: diz que o conhecimento é uma relação única entre o sujeito e a realidade, sendo “o homem a medida de todas as coisas” (Protágoras, séc. V a.C.);
  • Relativismo: as verdades não são absolutas e estão restritas a uma validade limitada a certo tempo e a determinadas situações;
  • Probabilismo: defendido por Hume, diz que tudo o que sabemos limita-se a uma probabilidade, e nunca a uma verdade plena, pois estamos sempre nos limitando às experiências anteriores para fazer previsões mais ou menos confiáveis, mas nunca absolutas;
  • Pragmatismo: só é verdadeiro aquilo que é útil, que dá certo, que serve aos interesses das pessoas em sua vida prática.

Fora essas, há o Dogmatismo, que eu já expliquei, e o Criticismo, que é basicamente a filosofia de Kant, que vou explicar com mais cuidado daqui a pouco.

É interessante que em O Mundo de Sofia, uma frase que o filósofo Alberto gosta de dizer a Sofia é que “é fácil ser mais inteligente depois”. Aí voltamos aos paradigmas de que falei no post passado – ou seja, assim como há inúmeras correntes filosóficas, há inúmeras formas de enxergar o mundo, a razão, o conhecimento, a ciência.


Deixa eu puxar outro exemplo da minha faculdade. Quando uma pessoa tem uma fratura que secciona a medula, ela perde a movimentação e sensibilidade daquele nível pra baixo. Vimos um ambulatório em que esses pacientes paraplégicos recebem choques nessas áreas paralisadas que comandam os músculos a se contraírem, e assim, apertando botões em um tipo de andador que ativam diferentes grupos musculares por vez, conseguem andar. Até aí ok, porque apesar de os neurônios que chegariam nos músculos estarem rompidos, não chegando à medula ou ao cérebro, o estímulo elétrico exógeno faz as vezes de dar o estímulo necessário. Só que esses pacientes, com esse tipo de tratamento precoce, estão readquirindo os movimentos musculares sem a ajuda dos eletrodos, com controle voluntário. Isso é totalmente impensável no que sabíamos até agora; se o nervo não chega no cérebro, como um estímulo cerebral pode mover o músculo? Ninguém sabe. É um bom exemplo de um empirismo que está limitado à observação e ainda não encontra um paralelo na razão.

Poderia ser, na filosofia de Hume, chamado até de milagre. Para ele, se soltamos uma pedra, podemos afirmar que ela cai pela vasta experiência que temos em soltar pedras. Mas isso, segundo ele, não é uma verdade absoluta, e sim uma probablidade – se a pedra continuasse flutuando, ou caísse pra cima, teríamos presenciado um evento raro na natureza, mas que se de fato ocorreu, é um fenômeno natural, mas pelo fato de nós não estamos habituados a ele, chamamos de milagre.(Vejam bem, não estou dizendo que os pacientes voltarem a andar seja de fato um milagre.)

Chegamos finalmente em Kant, cuja obra mais famosa é a Crítica da Razão Pura. Para ele, a nossa razão possuía certas premissas, como por exemplo o tempo e o espaço (que pra ele, discordando nesse ponto de Hume, eram anteriores à própria experiência). Assim, a razão não deve ter uma importância tão exagerada porque não é um local de experiências e impressões objetivas, mas é também criativa. É como se a realidade fosse a água, e a nossa razão fosse um jarro. Jamais conseguiremos apreender a forma pura e absoluta da água, que sempre tomará a forma do jarro – a diferença entre as coisas “em si” e em como elas se nos mostram.


Agora vamos ao título do post. As grandes questões filosóficas que se impõem desde a Antigüidade e se mantêm até hoje, são, basicamente: se o homem possui uma alma imortal, se Deus existe, se a natureza é composta por unidades mínimas indivisíveis e se o universo é finito ou não. Basicamente, para onde vamos (depois da morte) e de onde viemos. Aqui é onde a Religião se aproxima de novo da Ciência, porque é a essas grandes questões filosóficas que ambas buscam responder. É por isso que criamos aceleradores de partículas, viajamos para o espaço, procuramos cada vez mais meios de prolongar a vida.

Kant achava, e eu concordo com ele, que o homem jamais seria capaz de chegar a um conhecimento seguro a respeito dessas questões – pelo menos através da razão. Isso porque uma das características que ele defendia como inatas da razão humana era a busca de relações causais. Em O Mundo de Sofia, o exemplo que se usa é o de que ao jogar uma bola do lado de um gato, ele corre atrás dela; se jogá-la ao lado de uma pessoa, ela vira-se para saber de onde veio a bola. Mas se estamos dentro da bola, como seremos capazes de enxergar de onde ela veio?

Para a razão, portanto, faz tanto sentido dizer que o mundo teve um começo no tempo, quanto dizer que não houve começo algum, pois ela é incapaz de abarcar qualquer das possibilidades; nenhuma faz sentido, racionalmente, mas uma das duas tem de ser verdade. Por isso, para Kant, a teoria cartesiana do post passado está furada, pois não há meios racionais para provar a existência de Deus – nem tampouco para refutá-la. É nessa zona obscura em que não consegue chegar nem a razão nem a experiência que encontra-se a fé. É por essas e outras que tanta gente diz que o ateísmo é uma espécie de religião; eu pelo menos, não consigo imaginar um meio de ser ateu que não seja usando de tanta fé quanto se precisa para ser religioso. Claro, considerando as pessoas que realmente pensam a respeito do assunto, pois acho que tanto um lado quanto o outro são compostos por uma maioria cega que encontrou um espaço mais cômodo em uma opinião formada, lapidada e consagrada.

Se o divino é uma criação do homem a sua imagem e semelhança, necessário à moral e à formação do indivíduo (como defendia Freud) ou desnecessário e prejudicial à sociedade e à própria humanidade (como defendia Feuerbach); ou se o homem ou tudo o que cremos existir sequer existe em matéria, e não passa de uma manifestação divina pura (como defendia Berkeley); ou se somos unos com Deus e com o resto do Universo (como afirmava Plotino e outros místicos como Swami Vivekananda ou Radhakrishnan), são coisas que eu não sei e provavelmente nunca vou saber. E, a meu ver, nem a ciência.


Só pra terminar, já que o Gustavo falou da experiência mística. Nela, quase toda a filosofia da religião perde um pouco de seu valor, pois há o contato e há o empírico. Mas eu discordo um pouco do que ele disse, que acaba sendo um ponto de vista bem negativo da religião, como se só o místico fosse verdadeiro – típico de um empirista. Eu não diria que a religião é o místico morto e petrificado, e sim simplificado e talvez massificado. Não dá pra esquecer que, em geral, a religião é em si o principal caminho pra experiência mística. E, usando a analogia que você disse, o orgasmo é fantástico, mas tem todo o sexo antes. Ou a masturbação, ou o beijo, ou o relacionamento em si. E o sexo não precisa terminar em orgasmo pra ser muito bom! ; )


Sei que esse texto ficou absurdamente comprido e fugiu bastante do tema da própria ciência em si pra se perder na filosofia. Isso porque ele era uma continuação de outro texto (que também se perdeu bastante, porque eu ia falar bastante do darwinismo por aqui, e o assunto nem apareceu; mas oportunidades não vão faltar) e porque eu estou lendo muito sobre filosofia.

Mas pros preguiçosos, pretendo dar uma folga e os próximos posts serão sobre amenidades, ou notícias, ou cinema.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ciência 3: para onde vamos?

Nos últimos posts eu discuti a ciência comparando-a com a religião por achar esse paralelo bastante válido e ilustrativo, e pretendo extrapolá-lo em todos os sentidos nesse e no próximo post.
É bastante freqüente ouvirmos a oposição entre esses dois campos, como se fossem pólos opostos e jamais associáveis. Considero essa uma mentalidade alguns séculos atrasada, como se ainda vivêssemos numa época em que houvesse só uma religião, como se todas as pessoas que a seguissem fossem iguais e como se ainda queimassem na fogueira quem ousasse pensar um pouco além. Isso, claro, é uma visão da religião do lado de quem a condena em detrimento da ciência, que é o ponto de vista com o qual estou mais familiarizada depois de ler tantos comentários em blogs da vida.
É interessante que Descartes, que estabeleceu as bases da ciência moderna com seu "Discurso sobre o Método", nunca dissociou ciência e religião para tanto. Na verdade, muito pelo contrário, foi sua compreensão divina que lhe permitiu libertar-se do pensamento aristotélico preponderante na época, de que as coisas existiriam por si só ou de que haveria um aspecto místico ou transcendental na própria natureza. Para Descartes, tudo era passível de dúvida, e só a dúvida levaria à busca de evidências, análise e síntese de informações para explicar os fenômenos naturais.
Em sua lógica, afirmava que Deus deveria existir e ser o criador do homem. É dele a célebre afirmação “Penso, logo existo”. Mas ele prossegue: “Portanto, penso e sou. Mas que sou eu? Justamente um ser que pensa e que duvida e que nega.” Mas um ser que pensa e que duvida é um ser imperfeito e finito. Ora, como poderia ele sabê-lo, ou seja, perceber – e claramente – a sua própria finitude essencial e a sua imperfeição, se não tivesse, em si mesmo, uma idéia de alguma coisa infinita e perfeita, ou seja, como poderia ele compreender-se a si próprio sem ter ao mesmo tempo uma idéia de Deus? Assim, para a lógica cartesiana, o perfeito existe antes do imperfeito e o infinito antes do finito, mas no pensamento humano, é quando se atinge o limite que percebe-se o finito, apesar de imaginarmos muitas vezes o contrário. Descartes afirma ainda que “esta idéia do ser perfeito, tão esplêndida e tão rica, é de tal modo superior a nós que não pode provir de nós próprios que somos fracos, finitos, imperfeitos. Não pode provir de nenhum ser finito. Não pode provir senão de Deus”.
A referência de onde tirei a maior parte do texto desse último parágrafo afirma que Einstein gostava muito de se meter em assuntos de religião sem ter nenhum conhecimento do que estava falando, e suas afirmações não tinham nada de novo, só alcançando alguma importância em discussões pelo peso de sua figura. E é exatamente por esse peso que coloco aqui um texto famoso, que está até na Wikipédia:
“O espírito científico, fortemente armado com seu método, não existe sem a religiosidade cósmica. Ela se distingue da crença das multidões ingênuas que consideram Deus um Ser de quem esperam benignidade e do qual temem o castigo – uma espécie de sentimento exaltado da mesma natureza que os laços do filho com o pai – , um ser com quem também estabelecem relações pessoais, por respeitosas que sejam. Mas o sábio, bem convencido, da lei de causalidade de qualquer acontecimento, decifra o futuro e o passado submetidos às mesmas regras de necessidade e determinismo. A moral não lhe suscita problemas com os deuses, mas simplesmente com os homens. Sua religiosidade consiste em espantar-se, em extasiar-se diante da harmonia das leis da natureza, revelando uma inteligência tão superior que todos os pensamentos humanos e todo seu engenho não podem desvendar, diante dela, a não ser seu nada irrisório. Este sentimento desenvolve a regra dominante de sua vida, de sua coragem, na medida em que supera a servidão dos desejos egoístas. Indubitavelmente, este sentimento se compara àquele que animou os espíritos criadores religiosos em todos os tempos”.
O que eu quero dizer com esses textos é que a religião e a ciência não estão em lados tão opostos assim, senão todos os grandes cientistas seriam grandes ateus convictos.
Na verdade, uma das grandes semelhanças entre essas duas áreas é que são confundidas em sua essência, que é certamente abstrata, com implicações ou estruturas bem concretas, principalmente por aquelas pessoas que são obtusas demais para entender qualquer coisa abstrata.
Ou seja, muitos dos que odeiam a religião não sabem muito bem que na verdade o que odeiam é a Igreja e tudo o que é semelhante a ela em termos de exploração humana, objetivos materialistas ou intolerância. Negam a religião pelo seu histórico de guerras e burrice que se deve a suas instituições absolutamente humanas e certamente tão concretas quanto seus objetivos financeiros. Claro que é fácil esquecer que a religião tem natureza mística, espiritual e transcendente, e que nada místico, espiritual ou transcendente vai, no fim das contas, mandar as pessoas pra guerra ou cobrar o dízimo.
Da mesma forma, a ciência acaba, aos olhos de muitos, sendo espelhada pelas instituições que afirmam basear-se nela. Se por um lado todas as grandes religiões do mundo têm em comum o fato de pregarem o bem, e a ciência tem o esse mesmo objetivo máximo, visando a melhoria da qualidade de vida do ser humano, por outro lado ambas têm as guerras e a intolerância caminhando junto com elas e manchando sua história.
Afinal, a questão que motivou essa série de posts e que já estava no ar desde o primeiro é: para onde vamos? Usei o Vioxx para exemplificar os podres da ciência. Uma outra história muito boa é a de Cesare Lombroso, um cientista e médico italiano que estudou a loucura, e, baseado na antropologia voltou-se para um lado mais legal e descreveu o tal do “criminoso nato”. Segundo ele, as características antropométricas (medidas feitas no corpo, como a distância entre os olhos, a distância do olho à testa, o tamanho do nariz ou sua distância ao queixo, por exemplo) predisporiam as pessoas a serem criminosos, o que teve repercussão muito importante no direito penal do mundo todo. Hoje em dia, só alguns idiotas ainda acham que esse cientista, outrora grande e respeitado, estava certo, porque na verdade suas medidas do corpo correspondiam ao padrão de italianos que viviam nas regiões mais pobres, e que por razões sociais, e não genéticas, cometiam mais crimes na Itália. Mas não deixou de ser uma coroação do preconceito pela ciência.
E se a religião tem a Igreja, as Cruzadas ou o tal do “fundamentalismo” islâmico motivando os terroristas por aí, a ciência tem a indústria farmacêutica, a bomba atômica e as experiências em campos de concentração nazista. Tudo em nome da fé; tudo em nome da ciência. O Júlio comentou no primeiro post que “é difícil a gente aceitar que não existe um plano superior, transcendental, seja ele cientifico, religioso ou mítico... O homem é, afinal, só um animal um pouquinho mais espertinho que os outros e é uma angustia sem tamanho conviver com isso”.
E se a religião caminhou de forma desfavorável a ela mesma – tanto que hoje é “pop” ser ateu, graças a essas confusões, contradições e à visão fechada das pessoas, a ciência tem tudo para seguir o mesmo caminho. Da mesma forma que hoje os ateus baseiam-se numa lógica cartesiana para rejeitarem qualquer idéia de Deus, o próprio Descartes foi incapaz de fazê-lo, talvez muito pela própria época em que vivia. Enquanto isso, aqui estamos nós, certamente encerrados num outro paradigma, outro dogma, além do qual não conseguimos enxergar por vivermos numa época em que a ciência é tão inquestionável. Por isso não conseguimos vislumbrar a possibilidade de a própria ciência ser desacreditada amplamente ou que seja considerada um novo vírus mental que impede as pessoas de enxergarem o próximo paradigma, que ainda não sabemos qual é.
Um pouco dessa tendência já me parece bem clara, graças às divisões que parecem se impor entre o que é e o que não é ciência, entre as diversas formas de vê-la, entre as diferentes metodologias e diferentes sistemas de pensamento vigentes na concepção dessa ciência. Tudo me lembra a formação de novas religiões, sempre a partir das mesmas idéias mas que gostam tanto de reiterar que não têm nada em comum, de querer mostrar que é a certa, que é melhor que as outras. É o caso da Homeopatia e da Alopatia, da Psiquiatria e da Psicologia (e dos infinitos campos dentro da psicologia), da Medicina Tradicional Chinesa – e deve haver mais inúmeros exemplos com os quais eu não estou familiarizada.

Bem, era pra eu ter publicado isso em novembro, que vergonhosamente só teve um post, porque é um mês desgraçado de provas em que eu não tenho tempo. Talvez por isso tenha ficado um pouco grande, e era pra ter mais coisa, porque a série sobre ciência devia ser uma trilogia; mas achei melhor prolongar um pouco e separar o 4º post, que vai servir mais como um adendo e quem sabe como um gancho pro próximo assunto. Só tenho que me segurar pra não publicá-lo logo amanhã (já que estou de férias e agora tenho tempo de escrever), que é pra dar tempo das pessoas comentarem esse, o que certamente vai enriquecer o próximo.