terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Um livro para meninas

Apesar do meu punhado de livros pra ler, todos lá esperando do lado da minha cama, ganhei de presente da minha vó o best-seller Crepúsculo, da Stephenie Meyer, que tá fazendo um baita sucesso por aí. Quando fiquei sabendo que eram 4 livros, resolvi começar logo a ler pra ver se terminava antes do prazo de troca e ir na livraria pegar o segundo (rs), mas como foi presente, não sou (muito) trambiqueira, e já prometi emprestar o livro pra meio mundo, me conveci de que não ia trocar o livro, e sim ler rápido o bastante para poder ganhar o próximo de aniversário.
Confesso que nunca tinha ouvido falar da série, a não ser quando minha vó comentou que estava saindo um filme de vampiros baseado em um bestseller, e que devia ser bonitinho. Por um momento me perguntei como diabos um filme de vampiros seria bonitinho, mas desencanei; depois vi o teaser do filme na tv, e foi só. Quando ganhei o livro de presente, li a contracapa e as orelhas (juro que um dia vou parar de fazer isso, porque geralmente acaba estragando pelo menos alguma surpresa do livro). Nada muito chamativo, comecei a ler lembrando dos outros bestsellers de vampiro de que eu tanto gosto.
Aí foi dando pra perceber por que a minha vó classificaria como "bonitinho" um filme sobre vampiros. Nada cheio de ação, lutas e mortes, como os livros do André Vianco; nada sombrio e sensual, como a Anne Rice. Não, o livro parecia mais com algo do tipo "Se a Mia Thermopolis se apaixonasse por um vampiro..." (Mia Thermopolis é a protagonista da série da Meg Cabot, O Diário da Princesa).
O livro é sobre uma paixão adolescente mesmo, com um enredo até certo ponto digno de filme da Disney. A protagonista é Isabella Swan (só Bella), que se muda do ensolarado Arizona pra uma odiada e chuvosa cidadezinha em Washington para morar com seu pai. Quando chega na escola, torna-se o centro das atenções por ser a garota nova da cidade grande, mas apesar dos diversos garotos caindo a seus pés, o centro das atenções dela é a família Cullen, composta por 5 jovens lindos, maravilhosos e isolados do resto da escola. Sempre que está no refeitório, não consegue desviar a atenção do estranhamente belo e pálido grupo, os dois casais (calma, eles são filhos adotivos de um pai casamenteiro) Emmet e Rosalie, Jasper e Alice, e, particularmente, Edward.
O bonitão solteiro não fica indiferente à moça, e age muito estranhamente, lançando-lhe olhares de indignação, nojo e raiva, depois a ignorando completamente, e, finalmente, resolvendo ser gentil e conversar com ela.
Considerando que vocês também devem ler a contracapa e as orelhas do livro, ou ver o trailer do filme, não considero spoiler contar mais que isso; ambos ficam extremamente envolvidos, e Bella, após ver coisas estranhas (como a supervelocidade e a força sobrenatural de Edward) e ouvir as lendas indígenas do local (sabe como é, o de sempre), acaba chegando à conclusão de que seu amado é um vampiro.
É isso, um romacezinho adolescente bem açucarado e previsível... que eu não consegui largar antes de chegar ao fim. Devo ter lido as 400 páginas em umas 8h, divididas em 2 dias, o que contraria absolutamente tudo o que eu disse anteriormente que parecia apontar que eu não gostei. Gostei sim. Como eu disse no título, é um livro pra meninas, e eu sou uma menina, apesar de não parecer. Mais do que isso, é um livro pra pessoas românticas, e talvez pelas garotas serem mais propensas a isso, avaliei o livro dessa forma. Mas não desfaço minha impressão de que um homem (ou mesmo uma mulher como a Anne Rice) não poderia tê-lo escrito.
Essa é a Stephenie Meyer, coloquei as duas fotos só porque
quando as encontrei, fiquei impressionada com
o que um
corte de cabelo e uma maquiagem pode fazer com uma pessoa...


Como eu já disse em outro post também, reconheço o mérito de livros que conseguem vender aos montes, e fazer milhões de crianças e adolescentes largarem a televisão por uns instantes. Claro que logo depois eles se enfiam nas milhares de comunidades, blogs e fãs-clubes do mais recente casal de heróis do livro novo, mas isso também é inevitável. Sair um filme do livro rapidinho pra ver se botam de novo os adolescentes na frente da tela e uns milhões no bolso também é.
E também já falei um pouco da receita desses best-sellers - linguagem simples (o fato de serem traduzidos de outra língua costuma ajudar), parágrafos, frases e idéias curtas. Uma uniformidade estilística que me faz ser incapaz de distinguir a individualidade dos autores se me derem só os textos pra ler (menos o Stephen King, porque ele é demais). Só que Stephenie Meyer, nesse livro, tem um mérito a mais: poucas vezes eu consegui me identificar tanto com um personagem.
Com a vantagem de ser em primeira pessoa, o que dispensa auto-descrições, o leitor literalmente é Bella Swan, pensa o que ela pensa, vê o que ela vê, tudo atravás dos olhos de uma garota comum, afinal quem não se acha esquisita, tem problemas de comunicação com os pais, odeia as pessoas da escola (e a educação física) e sonha com o príncipe encantado? Pelo menos pra mim, o apelo funcionou bem, e eu ri junto com ela, fiquei angustiada, esperava ansiosa pra ver se Edward iria à escola hoje, se apareceria de novo pra me salvar na hora certa... e antes da página 150, eu também estava perdidamente apaixonada por Edward Cullen, pensando em quando o veria de novo após largar o livro pros "afazeres humanos", que de repente pareciam supérfluos, como comer.
Afinal, não é difícil se apaixoinar por um cara cujo único e terrível defeito é justamente algo tão fascinante como ser um vampiro fofo que nem se alimenta de sangue humano. É demais para a cabeça de qualquer uma. E fora o comum de Bella que a faz se identificar fácil com o leitor, não dá pra esquecer do sentimento que permeia os parágrafos, tudo descrito em primeira pessoa, tudo tão real. Todo mundo que já esteve apaixonado é capaz de se reconhecer nas páginas do livro - afinal, todo apaixonado é um melodramático romântico pronto a dar a vida por seu amor exageradamente maravilhoso (oh, meu deus, o que ele pode ter visto em alguém como eu?). E é por isso que eu perdôo o teor totalmente açucarado, exagerado e adolescente de Crepúsculo, e estou relativamente ansiosa para ler a continuação, Lua Nova (não é nada como um Harry Potter, mas enfim).
Objetivamente, reitero o que eu disse - não recomendo esse livro pra ninguém que ou não esteja na adolescência ou que ache sentir-se um adolescente de novo é algo idiota e quer fazer algo mais útil da vida, algo interessante como fazer o imposto de renda. Porque é difícil pensar em alguma coisa divertida na vida de um adulto que não seja fazer algo de criança ou de adolescente de novo, não é? Recomendo o livro pros românticos e apaixonados, ou que querem se apaixonar de novo, e talvez até pros meninos. Afinal, não vamos subestimá-los, não é, se eu sou capaz de entender e gostar de um livro eminentemente para homens de 40 e poucos, como O Lobo da Estepe, porque um cara não poderia gostar de um livro pra meninas de 17? É uma questão de ser eclético e de ser capaz de se identificar simplesmente com sentimentos humanos.
Pra esse post não ficar muito grande, vou falar do filme só amanhã! =)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Sidney Harris

Um belo dia fui estudar pra uma prova de japonês na Biblioteca Central da Unicamp, e, pra variar, resolvi perder um pouquinho de tempo na livraria que tem lá dentro. Tinha uma mesa do lado de fora cheia de livros da editora da Unicamp, da Unesp, etc na promoção, e livro em promoão é um perigo pra mim. O que algumas pessoas têm com sapatos, roupas, jogos eu tenho com livros, e admito que meu consumismo literário é superior à minha capacidade de leitura. E como eu tinha ido há pouco tempo na Bienal e atualizado minha já grande fila de livros pra ler, senti a consciência pesar e resolvi não comprar nenhum livro de 400 páginas sem figuras (porque eu estava bem inclinada a comprar um do Eric Hobsbawm). Foi aí que eu vi o livro "A Ciência Ri", uma coletânea do cartunista Sidney Harris.
É, eu nunca tinha ouvido falar nele também, mas um livro de tirinhas, charges, cartuns sempre é uma boa opção pra quem está sem tempo de ler. Depois de dar uma folheada, não foi difícil admirar seu humor tipicamente nerd sobre Biologia, Medicina, Psicanálise, Matemática, Física ou Tecnologia. E foi mais fácil ainda comprar o livro e não resistir a ler inteirinho até de tarde. Mas eu até que consegui estudar pra prova de japonês.
Sidney Harris é um cartunista americano nascido no Brooklin e formado em arte. Começou sua carreira em 1955 e publicou em vários dos mais importantes periódicos de ciência dos EUA, como American Scientist, Science, Discover, Physics Today, The New Yorker, The Wall Street Journal, entre outros.
Apesar de não ter nenhuma formação científica, ele dá conta de tirar o humor de diversas especificidades das mais diversas áreas, então não fique triste se você não entender alguma piada (pelo menos eu não entendi várias). As charges dos meus posts sobre ciência são dele, e eu tirei desse site, que tem algumas horas de diversão.
E, pra ilustrar esse post, vou aproveitar que semana que vem já é Natal e colocar algumas das charges dele sobre esse tema, que são malvadas mas pegam bem o espírito natalino de hoje em dia...

Doe aos ateus e agnósticos necessitados que
não têm nenhum feriado nessa época do ano

"Diga - o que todo esse negócio religioso
está fazendo nesses cartões de Natal?"

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Educação

Eu sei que a notícia é meio velha, mas como faz parte do meu dia-a-dia, resolvi colocar aqui. As fontes são o Jornal de Londrina e o portal Paraná Online.

A colação de grau de 14 alunos do curso de Medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL) foi suspensa, após aprovação de uma moção de repúdio do Conselho Universitário (Coun). No último dia 20, depois de uma comemoração de final de curso, os estudantes resolveram prolongar a festa no Hospital Universitário (HU). Segundo a coordenadora, funcionários do PS disseram que os alunos entraram no local portando bebidas alcoólicas, alguns em estágio de embriaguez, fazendo “apitaço” e soltando fogos de artifício no pátio do hospital. “Os pacientes e funcionários ficaram assustados, alguns acharam que o prédio estava sendo invadido, além de o atendimento ficar prejudicado”, comenta. A conduta contraria o regimento interno da instituição. Em ofícios encaminhados à direção da UEL, o diretor superintendente do HU, Francisco Eugenio de Souza e o diretor-clínico, Marcos César de Camargo, pedem providências para a conduta incomum e reprovável dos estudantes. “Entre as medidas cabíveis neste caso estão a reprovação dos acadêmicos no estágio, uma vez que as notas não foram lançadas, com isso não houve a conclusão do oficial do curso. Desta forma, os estudantes serão obrigados a refazer todo o estágio. Eles também poderão receber uma reprimenda oral e em última instância serem expulsos do curso”, explica a coordenadora do curso de medicina. Sem a colação de grau, os 14 alunos ficam impedidos de se inscrever para a residência médica, tendo que esperar, no mínimo, mais um ano para isso. A única forma dos estudantes envolvidos na confusão colarem grau é com a obtenção de um mandado de segurança. André Ramos Sorgi Macedo, que se identificou como um dos estudantes que participaram da festa, negou as acusações feitas pela direção do HU. Segundo Macedo, cerca de 50 formandos participaram da comemoração e todos os funcionários e pacientes foram avisados com antecedência da realização da troca de plantão. “Este é um ritual tradicional quando os formandos passam o plantão para os alunos do quinto ano do curso. Algumas pessoas cantaram mais alto, porém, nós avisamos a todos e os pacientes ficaram isolados, alguns até participaram e riram da brincadeira. Não ficamos mais de 15 minutos no corredor do PS. Com isso, o atendimento não foi prejudicado como a direção afirma”, explica. De acordo com o acadêmico, nenhum dos formandos estava bêbado, no entanto, ele confirmou que foram levadas três garrafas de champanhe para dentro do PS. “Talvez o único excesso foi levar as garrafas para dentro do hospital e uma que estourou e sujou o chão. No entanto, ninguém estava embriagado”, afirma. Macedo também nega que os formandos tentaram quebrar equipamentos e acusou o diretor clínico do hospital, doutor Marcos César de Camargo, de chamá-los de marginais. “Nós nem encostamos as mãos nos equipamentos, pois ficamos apenas no corredor. O diretor clínico do hospital, que estava de plantão no dia, foi quem chegou nos chamando de marginais e que teríamos 10 minutos para deixar o PS. Porém, na nossa turma não há nenhum marginal”, ressalta.

"Eu quase me formei."


É, tem muita gente discutindo a educação médica por aí, mas o que me parece que está faltando bastante é a educação em casa mesmo. É inaceitável que um bando de idiotas que não é capaz de respeitar um ambiente hospitalar estejam lá, fazendo o juramento de hipócrates e de CRM nas mãos, cuidando dos outros.
Agora chamar de "tradição" um monte de gente comemorando de forma barulhenta num lugar em que as pessoas estão sofrendo, com dor, doentes, pra mim é muita cara de pau. Pra mim são sim, um bando de marginais.
E não acho que seja só lá no Paraná não, dá pra ver algum tipo de falta de respeito com os pacientes todo dia na minha faculdade também. Não me surpreenderia se a notícia fosse de lá, nem se o idiota tentando justificar o injustificável como tradição, brincadeira inofensiva e todo o blábláblá de sempre fosse da minha sala. Afinal, eu já ouvi cada uma...

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Ciência 4: do para onde vamos ao de onde viemos

Quase acabei de ler o livro sobre Filosofia da Religião que estava lendo, e retomei O Mundo de Sofia e o Fundamentos de Filosofia, do Gilberto Cotrim, meu livro do colegial que ficava o ano todo trancado no armário sem ver a luz do dia. Isso porque eu acabei indo atrás de Descartes e outros filósofos por causa do post passado, e estava me sentindo meio burra nesse livro de Filosofia da Religião, já que o autor é meio academicista e gosta bastante de fazer citações sobre as quais me dei conta de saber muito pouco.

Demorei pra escrever esse post porque estava esperando os comentários – nenhuma idéia muito bem formada substitui uma boa discussão - e já que eu me propus a separar a última parte da série sobre ciência em duas, não faria sentido escrever o texto inteiro que estava na minha cabeça naquele momento e cortá-lo em dois. Por isso o que está saindo aqui está bem diferente do que eu imaginei ou do que eu teria escrito semana passada, mesmo porque andei lendo muito essa semana, e o que as pessoas comentam sempre ajudam a manter as idéias mais vivas.


Vamos começar pelos dogmas. Um dogma é uma verdade inquestionável, e uma doutrina é dogmática quando defende a possibilidade de atingirmos a verdade. O dogmatismo ingênuo é aquele do senso comum, que acaba simplesmente ignorando a existência da chamada “Teoria do Conhecimento”, e não vêem, portanto, nenhum problema na relação do sujeito conhecedor e do objeto conhecido – ou seja, não é difícil ver o mundo como ele é. Já o dogmatismo crítico diz que unindo os esforços de nossos sentidos e de nossa inteligência, temos capacidade de apreender a verdade. Prestem atenção aí que estamos falando dos sentidos – empirismo – junto com a inteligência – razão –, ficando claro que o dogmatismo crítico defende que aliando o método, a razão e a ciência, o ser humano se torna capaz de conhecer a realidade do mundo. Daí, dizer que pelo fato de buscar a experiência empírica, a ciência “não aceita dogmas” é um pouco equivocado, como vários filósofos acabaram provando no decorrer dos séculos. Por isso volto a defender que o dogma daqueles que acreditam cegamente na ciência é tão forte quanto aquele dos religiosos.

Já que eu falei dela, a Teoria do Conhecimento está entre os grandes temas da Filosofia desde a Grécia. Como o homem pode compreender a si e ao mundo se há limitações na própria capacidade humana de entender? É um tema muito amplo, e defende-se principalmente o empirismo e o racionalismo como origens do conhecimento e, as principais correntes que explicam a possibilidade do conhecimento são, bem grosseiramente:

  • Ceticismo absoluto: os representantes principais foram Górgias e Pirro, que diziam que todo conhecimento é subjetivo, sujeito aos erros do sentido e à limitação de nossa inteligência (para Pirro, isso era óbvio pela existência de opiniões tão diferentes e contraditórias pelos homens), sendo que assim nada é verdadeiro;
  • Subjetivismo: diz que o conhecimento é uma relação única entre o sujeito e a realidade, sendo “o homem a medida de todas as coisas” (Protágoras, séc. V a.C.);
  • Relativismo: as verdades não são absolutas e estão restritas a uma validade limitada a certo tempo e a determinadas situações;
  • Probabilismo: defendido por Hume, diz que tudo o que sabemos limita-se a uma probabilidade, e nunca a uma verdade plena, pois estamos sempre nos limitando às experiências anteriores para fazer previsões mais ou menos confiáveis, mas nunca absolutas;
  • Pragmatismo: só é verdadeiro aquilo que é útil, que dá certo, que serve aos interesses das pessoas em sua vida prática.

Fora essas, há o Dogmatismo, que eu já expliquei, e o Criticismo, que é basicamente a filosofia de Kant, que vou explicar com mais cuidado daqui a pouco.

É interessante que em O Mundo de Sofia, uma frase que o filósofo Alberto gosta de dizer a Sofia é que “é fácil ser mais inteligente depois”. Aí voltamos aos paradigmas de que falei no post passado – ou seja, assim como há inúmeras correntes filosóficas, há inúmeras formas de enxergar o mundo, a razão, o conhecimento, a ciência.


Deixa eu puxar outro exemplo da minha faculdade. Quando uma pessoa tem uma fratura que secciona a medula, ela perde a movimentação e sensibilidade daquele nível pra baixo. Vimos um ambulatório em que esses pacientes paraplégicos recebem choques nessas áreas paralisadas que comandam os músculos a se contraírem, e assim, apertando botões em um tipo de andador que ativam diferentes grupos musculares por vez, conseguem andar. Até aí ok, porque apesar de os neurônios que chegariam nos músculos estarem rompidos, não chegando à medula ou ao cérebro, o estímulo elétrico exógeno faz as vezes de dar o estímulo necessário. Só que esses pacientes, com esse tipo de tratamento precoce, estão readquirindo os movimentos musculares sem a ajuda dos eletrodos, com controle voluntário. Isso é totalmente impensável no que sabíamos até agora; se o nervo não chega no cérebro, como um estímulo cerebral pode mover o músculo? Ninguém sabe. É um bom exemplo de um empirismo que está limitado à observação e ainda não encontra um paralelo na razão.

Poderia ser, na filosofia de Hume, chamado até de milagre. Para ele, se soltamos uma pedra, podemos afirmar que ela cai pela vasta experiência que temos em soltar pedras. Mas isso, segundo ele, não é uma verdade absoluta, e sim uma probablidade – se a pedra continuasse flutuando, ou caísse pra cima, teríamos presenciado um evento raro na natureza, mas que se de fato ocorreu, é um fenômeno natural, mas pelo fato de nós não estamos habituados a ele, chamamos de milagre.(Vejam bem, não estou dizendo que os pacientes voltarem a andar seja de fato um milagre.)

Chegamos finalmente em Kant, cuja obra mais famosa é a Crítica da Razão Pura. Para ele, a nossa razão possuía certas premissas, como por exemplo o tempo e o espaço (que pra ele, discordando nesse ponto de Hume, eram anteriores à própria experiência). Assim, a razão não deve ter uma importância tão exagerada porque não é um local de experiências e impressões objetivas, mas é também criativa. É como se a realidade fosse a água, e a nossa razão fosse um jarro. Jamais conseguiremos apreender a forma pura e absoluta da água, que sempre tomará a forma do jarro – a diferença entre as coisas “em si” e em como elas se nos mostram.


Agora vamos ao título do post. As grandes questões filosóficas que se impõem desde a Antigüidade e se mantêm até hoje, são, basicamente: se o homem possui uma alma imortal, se Deus existe, se a natureza é composta por unidades mínimas indivisíveis e se o universo é finito ou não. Basicamente, para onde vamos (depois da morte) e de onde viemos. Aqui é onde a Religião se aproxima de novo da Ciência, porque é a essas grandes questões filosóficas que ambas buscam responder. É por isso que criamos aceleradores de partículas, viajamos para o espaço, procuramos cada vez mais meios de prolongar a vida.

Kant achava, e eu concordo com ele, que o homem jamais seria capaz de chegar a um conhecimento seguro a respeito dessas questões – pelo menos através da razão. Isso porque uma das características que ele defendia como inatas da razão humana era a busca de relações causais. Em O Mundo de Sofia, o exemplo que se usa é o de que ao jogar uma bola do lado de um gato, ele corre atrás dela; se jogá-la ao lado de uma pessoa, ela vira-se para saber de onde veio a bola. Mas se estamos dentro da bola, como seremos capazes de enxergar de onde ela veio?

Para a razão, portanto, faz tanto sentido dizer que o mundo teve um começo no tempo, quanto dizer que não houve começo algum, pois ela é incapaz de abarcar qualquer das possibilidades; nenhuma faz sentido, racionalmente, mas uma das duas tem de ser verdade. Por isso, para Kant, a teoria cartesiana do post passado está furada, pois não há meios racionais para provar a existência de Deus – nem tampouco para refutá-la. É nessa zona obscura em que não consegue chegar nem a razão nem a experiência que encontra-se a fé. É por essas e outras que tanta gente diz que o ateísmo é uma espécie de religião; eu pelo menos, não consigo imaginar um meio de ser ateu que não seja usando de tanta fé quanto se precisa para ser religioso. Claro, considerando as pessoas que realmente pensam a respeito do assunto, pois acho que tanto um lado quanto o outro são compostos por uma maioria cega que encontrou um espaço mais cômodo em uma opinião formada, lapidada e consagrada.

Se o divino é uma criação do homem a sua imagem e semelhança, necessário à moral e à formação do indivíduo (como defendia Freud) ou desnecessário e prejudicial à sociedade e à própria humanidade (como defendia Feuerbach); ou se o homem ou tudo o que cremos existir sequer existe em matéria, e não passa de uma manifestação divina pura (como defendia Berkeley); ou se somos unos com Deus e com o resto do Universo (como afirmava Plotino e outros místicos como Swami Vivekananda ou Radhakrishnan), são coisas que eu não sei e provavelmente nunca vou saber. E, a meu ver, nem a ciência.


Só pra terminar, já que o Gustavo falou da experiência mística. Nela, quase toda a filosofia da religião perde um pouco de seu valor, pois há o contato e há o empírico. Mas eu discordo um pouco do que ele disse, que acaba sendo um ponto de vista bem negativo da religião, como se só o místico fosse verdadeiro – típico de um empirista. Eu não diria que a religião é o místico morto e petrificado, e sim simplificado e talvez massificado. Não dá pra esquecer que, em geral, a religião é em si o principal caminho pra experiência mística. E, usando a analogia que você disse, o orgasmo é fantástico, mas tem todo o sexo antes. Ou a masturbação, ou o beijo, ou o relacionamento em si. E o sexo não precisa terminar em orgasmo pra ser muito bom! ; )


Sei que esse texto ficou absurdamente comprido e fugiu bastante do tema da própria ciência em si pra se perder na filosofia. Isso porque ele era uma continuação de outro texto (que também se perdeu bastante, porque eu ia falar bastante do darwinismo por aqui, e o assunto nem apareceu; mas oportunidades não vão faltar) e porque eu estou lendo muito sobre filosofia.

Mas pros preguiçosos, pretendo dar uma folga e os próximos posts serão sobre amenidades, ou notícias, ou cinema.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ciência 3: para onde vamos?

Nos últimos posts eu discuti a ciência comparando-a com a religião por achar esse paralelo bastante válido e ilustrativo, e pretendo extrapolá-lo em todos os sentidos nesse e no próximo post.
É bastante freqüente ouvirmos a oposição entre esses dois campos, como se fossem pólos opostos e jamais associáveis. Considero essa uma mentalidade alguns séculos atrasada, como se ainda vivêssemos numa época em que houvesse só uma religião, como se todas as pessoas que a seguissem fossem iguais e como se ainda queimassem na fogueira quem ousasse pensar um pouco além. Isso, claro, é uma visão da religião do lado de quem a condena em detrimento da ciência, que é o ponto de vista com o qual estou mais familiarizada depois de ler tantos comentários em blogs da vida.
É interessante que Descartes, que estabeleceu as bases da ciência moderna com seu "Discurso sobre o Método", nunca dissociou ciência e religião para tanto. Na verdade, muito pelo contrário, foi sua compreensão divina que lhe permitiu libertar-se do pensamento aristotélico preponderante na época, de que as coisas existiriam por si só ou de que haveria um aspecto místico ou transcendental na própria natureza. Para Descartes, tudo era passível de dúvida, e só a dúvida levaria à busca de evidências, análise e síntese de informações para explicar os fenômenos naturais.
Em sua lógica, afirmava que Deus deveria existir e ser o criador do homem. É dele a célebre afirmação “Penso, logo existo”. Mas ele prossegue: “Portanto, penso e sou. Mas que sou eu? Justamente um ser que pensa e que duvida e que nega.” Mas um ser que pensa e que duvida é um ser imperfeito e finito. Ora, como poderia ele sabê-lo, ou seja, perceber – e claramente – a sua própria finitude essencial e a sua imperfeição, se não tivesse, em si mesmo, uma idéia de alguma coisa infinita e perfeita, ou seja, como poderia ele compreender-se a si próprio sem ter ao mesmo tempo uma idéia de Deus? Assim, para a lógica cartesiana, o perfeito existe antes do imperfeito e o infinito antes do finito, mas no pensamento humano, é quando se atinge o limite que percebe-se o finito, apesar de imaginarmos muitas vezes o contrário. Descartes afirma ainda que “esta idéia do ser perfeito, tão esplêndida e tão rica, é de tal modo superior a nós que não pode provir de nós próprios que somos fracos, finitos, imperfeitos. Não pode provir de nenhum ser finito. Não pode provir senão de Deus”.
A referência de onde tirei a maior parte do texto desse último parágrafo afirma que Einstein gostava muito de se meter em assuntos de religião sem ter nenhum conhecimento do que estava falando, e suas afirmações não tinham nada de novo, só alcançando alguma importância em discussões pelo peso de sua figura. E é exatamente por esse peso que coloco aqui um texto famoso, que está até na Wikipédia:
“O espírito científico, fortemente armado com seu método, não existe sem a religiosidade cósmica. Ela se distingue da crença das multidões ingênuas que consideram Deus um Ser de quem esperam benignidade e do qual temem o castigo – uma espécie de sentimento exaltado da mesma natureza que os laços do filho com o pai – , um ser com quem também estabelecem relações pessoais, por respeitosas que sejam. Mas o sábio, bem convencido, da lei de causalidade de qualquer acontecimento, decifra o futuro e o passado submetidos às mesmas regras de necessidade e determinismo. A moral não lhe suscita problemas com os deuses, mas simplesmente com os homens. Sua religiosidade consiste em espantar-se, em extasiar-se diante da harmonia das leis da natureza, revelando uma inteligência tão superior que todos os pensamentos humanos e todo seu engenho não podem desvendar, diante dela, a não ser seu nada irrisório. Este sentimento desenvolve a regra dominante de sua vida, de sua coragem, na medida em que supera a servidão dos desejos egoístas. Indubitavelmente, este sentimento se compara àquele que animou os espíritos criadores religiosos em todos os tempos”.
O que eu quero dizer com esses textos é que a religião e a ciência não estão em lados tão opostos assim, senão todos os grandes cientistas seriam grandes ateus convictos.
Na verdade, uma das grandes semelhanças entre essas duas áreas é que são confundidas em sua essência, que é certamente abstrata, com implicações ou estruturas bem concretas, principalmente por aquelas pessoas que são obtusas demais para entender qualquer coisa abstrata.
Ou seja, muitos dos que odeiam a religião não sabem muito bem que na verdade o que odeiam é a Igreja e tudo o que é semelhante a ela em termos de exploração humana, objetivos materialistas ou intolerância. Negam a religião pelo seu histórico de guerras e burrice que se deve a suas instituições absolutamente humanas e certamente tão concretas quanto seus objetivos financeiros. Claro que é fácil esquecer que a religião tem natureza mística, espiritual e transcendente, e que nada místico, espiritual ou transcendente vai, no fim das contas, mandar as pessoas pra guerra ou cobrar o dízimo.
Da mesma forma, a ciência acaba, aos olhos de muitos, sendo espelhada pelas instituições que afirmam basear-se nela. Se por um lado todas as grandes religiões do mundo têm em comum o fato de pregarem o bem, e a ciência tem o esse mesmo objetivo máximo, visando a melhoria da qualidade de vida do ser humano, por outro lado ambas têm as guerras e a intolerância caminhando junto com elas e manchando sua história.
Afinal, a questão que motivou essa série de posts e que já estava no ar desde o primeiro é: para onde vamos? Usei o Vioxx para exemplificar os podres da ciência. Uma outra história muito boa é a de Cesare Lombroso, um cientista e médico italiano que estudou a loucura, e, baseado na antropologia voltou-se para um lado mais legal e descreveu o tal do “criminoso nato”. Segundo ele, as características antropométricas (medidas feitas no corpo, como a distância entre os olhos, a distância do olho à testa, o tamanho do nariz ou sua distância ao queixo, por exemplo) predisporiam as pessoas a serem criminosos, o que teve repercussão muito importante no direito penal do mundo todo. Hoje em dia, só alguns idiotas ainda acham que esse cientista, outrora grande e respeitado, estava certo, porque na verdade suas medidas do corpo correspondiam ao padrão de italianos que viviam nas regiões mais pobres, e que por razões sociais, e não genéticas, cometiam mais crimes na Itália. Mas não deixou de ser uma coroação do preconceito pela ciência.
E se a religião tem a Igreja, as Cruzadas ou o tal do “fundamentalismo” islâmico motivando os terroristas por aí, a ciência tem a indústria farmacêutica, a bomba atômica e as experiências em campos de concentração nazista. Tudo em nome da fé; tudo em nome da ciência. O Júlio comentou no primeiro post que “é difícil a gente aceitar que não existe um plano superior, transcendental, seja ele cientifico, religioso ou mítico... O homem é, afinal, só um animal um pouquinho mais espertinho que os outros e é uma angustia sem tamanho conviver com isso”.
E se a religião caminhou de forma desfavorável a ela mesma – tanto que hoje é “pop” ser ateu, graças a essas confusões, contradições e à visão fechada das pessoas, a ciência tem tudo para seguir o mesmo caminho. Da mesma forma que hoje os ateus baseiam-se numa lógica cartesiana para rejeitarem qualquer idéia de Deus, o próprio Descartes foi incapaz de fazê-lo, talvez muito pela própria época em que vivia. Enquanto isso, aqui estamos nós, certamente encerrados num outro paradigma, outro dogma, além do qual não conseguimos enxergar por vivermos numa época em que a ciência é tão inquestionável. Por isso não conseguimos vislumbrar a possibilidade de a própria ciência ser desacreditada amplamente ou que seja considerada um novo vírus mental que impede as pessoas de enxergarem o próximo paradigma, que ainda não sabemos qual é.
Um pouco dessa tendência já me parece bem clara, graças às divisões que parecem se impor entre o que é e o que não é ciência, entre as diversas formas de vê-la, entre as diferentes metodologias e diferentes sistemas de pensamento vigentes na concepção dessa ciência. Tudo me lembra a formação de novas religiões, sempre a partir das mesmas idéias mas que gostam tanto de reiterar que não têm nada em comum, de querer mostrar que é a certa, que é melhor que as outras. É o caso da Homeopatia e da Alopatia, da Psiquiatria e da Psicologia (e dos infinitos campos dentro da psicologia), da Medicina Tradicional Chinesa – e deve haver mais inúmeros exemplos com os quais eu não estou familiarizada.

Bem, era pra eu ter publicado isso em novembro, que vergonhosamente só teve um post, porque é um mês desgraçado de provas em que eu não tenho tempo. Talvez por isso tenha ficado um pouco grande, e era pra ter mais coisa, porque a série sobre ciência devia ser uma trilogia; mas achei melhor prolongar um pouco e separar o 4º post, que vai servir mais como um adendo e quem sabe como um gancho pro próximo assunto. Só tenho que me segurar pra não publicá-lo logo amanhã (já que estou de férias e agora tenho tempo de escrever), que é pra dar tempo das pessoas comentarem esse, o que certamente vai enriquecer o próximo.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Ciência 2: Vioxx ou O Jardineiro Fiel

"Parei de tomar o remédio porque prefiro
a doença original aos efeitos colaterais."


Os comentários do post passado tocaram bem onde eu queria. Eu ia chegar na parte dos interesses econômicos, mesmo porque ultimamente não tem nada mais pop – entre o que eu ando lendo por aí, parece que a "crise" é uma nova entidade apocalíptica ou libertária, de acordo com as convicções de cada um (que são, afinal, as mesmas). Mas voltando a falar da ciência, o erro em dizer que há um conflito sobre se é mais importante descobrir a cura da Aids ou comprar um veleiro e um jatinho, prejudicando assim o desenvolvimento científico, é que há poucos caminhos tão rápidos para comprar o tal jatinho do que descobrir a cura da Aids.
A indústria farmacêutica tem um faturamento de 160 bilhões de dólares ao ano, com um crescimento de 18%. Sempre tem uma droga nova, sempre melhor que as anteriores. Mas nas minhas aulas e nas prescrições do hospital, ainda estão lá, as mesmas drogas, pros mesmos problemas: os antibióticos, os analgésicos, os corticóides, os diuréticos e, com tudo isso de remédio, um inibidor de bomba de próton pra gastrite. Por que será que as novas drogas, tão fantásticas, não chegam aos nossos pacientes? Claro que um fator é a limitação de recursos do SUS, que não pode dar um remédio pra população só porque ele dá menos efeitos colaterais que o da indústria tal, paciência, melhor dar um remédio pior mas conseguir dar pra todo mundo sem faltar. Mas outro fator importante é: será que esses remédios são tão melhores assim?
Aqui no Brasil, por sorte, a propaganda de medicamentos de venda com prescrição não pode ser veiculada para o público, mas vocês podem imaginar a maravilha que deve ser nos EUA, no comercial da novela, a pessoa triste, o mundo preto e branco, e logo depois ela correndo feliz com um menino de boné, uma menina de vestido florido e um labrador num parque verdejante, depois de tomar uma fluoxetina. Mas mesmo não estando no meio médico, onde esse tipo de propaganda está sempre presente, dá pra ver na tv como querem mesmo que você acredite como o remédio pra dor de cabeça A é melhor porque tem cafeína, o B porque tem vitamina c, o C porque é efervescente e o D porque é "3 em 1" (ou seja, é pra dor de cabeça, tem vitamina c e cafeína, além de ser efervescente).
Afinal, com tanto dinheiro rolando, não é de se estranhar que em 61 estudos financiados comparando anti-inflamatórios, nenhum tenha deixado de mostrar que a droga nova era melhor. Claro que 48% deles usavam doses maiores da droga nova. Algumas das maracutaias metodológicas mais usadas em trabalhos científicos que recebem verbas da indústria são:

  • Comparar a droga com um tratamento sabidamente pior;
  • Comparar a droga com uma dose muito baixa de outra;
  • Comparar a droga com uma dose muito alta de outra (para mostrar que é menos tóxica);
  • Realizar estudos multicêntricos e só publicar os resultados mais favoráveis;
  • Apresentar resultados mais impressionantes (ex: medicamento que aumenta a sobrevida em 80% - de 2 meses para 3 e pouco XD).

Uma das formas que temos de ler mais criticamente um artigo é sabermos dessas coisas, e saber se o artigo foi financiado. Isso é feito declarando o "conflito de interesses". Só que a política de declarar esses conflitos só é observada em 33% de 474 jornais médicos e 3% de 922 de ciência.

"Descubra quem executou esse experimento. Parece
que metade dos pacientes recebeu placebo
e a outra metade, outro tipo de placebo."


Mas já que a brincadeira aqui é meter o pau na indústria, não dá pra esquecer do filho mais feio (dos que a gente ficou sabendo, é claro): o Vioxx.
A história é famosa, mas pra quem não conhece, o Vioxx foi um anti-inflamatório maravilhoso, muito mais eficaz e com menos efeitos colaterais, exceto um que era um pouquinho chato: matava os pacientes de infarto. Foi um tal de gente nova morrendo de infarto, começaram a perceber que podia, talvez, ter uma associação com o remédio e aí, a Merck, fabricante, foi lá toda fazendo cara bonita e disse que tirariam o Vioxx do mercado, mesmo antes de a justiça obrigá-los a fazer isso, porque apesar de as evidências serem ainda inconclusivas de que era o remédio que estava provocando os infartos, era a saúde da população a coisa mais importante. Isso, é claro, ganhou a simpatia dos juízes e ajudou a Merck a não pagar um monte de indenizações.
Se tivesse sido só isso, vá lá. Mas acontece que depois ficou provado que em um estudo com 70 (isso mesmo, não coloquei um zero a menos) pacientes por um ano já mostraria o risco de infarto. Agora nenhuma droga sai no mercado com um estudo de 70 pacientes por 1 ano, convenhamos. O que aconteceu foi que, após descobrirem uma mina de ouro, os cientistas se depararam com um obstáculo bem inconveniente, e que certamente tirariam o Vioxx do páreo. O que eles fizeram foi calcular quanto eles teriam que gastar com propaganda massiva pra que o medicamento desse muito dinheiro até descobrirem a relação com o infarto; esse "muito" tinha que ser o suficiente para pagar todas as despesas com a pesquisa, a propaganda, as indenizações dos infartados, e claro, um lucrinho pra Merck que também ninguém é de ferro, né?

Bom, se a minha idéia no primeiro post foi comparar religião e ciência, senhoras e senhores, acabei de apresentá-los o demônio. Mas se Deus não destruiu o tinhoso porque ele também é seu filho, também acho que não devemos execrar a indústria farmacêutica como a escória da humanidade. Na verdade, ela só faz o que todas as outras indústrias fazem (é, mais uma vez o capetalismo, que para muitos é a escória a ser execrada da humanidade e tal), mas mexendo com algo que é meio intocável, que é a saúde.
Essa visão maniqueísta fica ótima na ficção, seja na Bíblia ou nO Jardineiro Fiel, mas é fato que a indústria ajudou muito o desenvolvimento dos medicamentos, e a lógica de mercado também ajuda a fazer com que muitas drogas tenham um preço ínfimo (e outras, exorbitante, mas enfim).

Não tem muito valor acreditar-se no meio de uma grande conspiração mundial como a do filme do Fernando Meirelles que acabei de citar. Existe uma rigidez ética considerável quando se faz pesquisa com seres humanos, e, por mais que muitos achem que todo o resto do mundo só tem um bando de idiotas, isso não é verdade – tem um monte de gente mais inteligente do que nós que já pensaram nisso e que fazem alguma coisa a respeito. Uma teoria maniqueísta sempre é atraente, e eu não acho que, como dizem tanto, “Descobriram a cura do(a)... (coloque aí o que você quiser, mas os preferidos são aids, câncer, diabetes) mas mataram o cientista”, blá blá blá. Não acho que seja o caso, mesmo porque “câncer” ou “células tronco” são palavras que têm um significado muito diverso no imaginário leigo em relação ao que são de fato, e as inúmeras variedades de mecanismos ou apresentações. Afinal de contas, a indústria sempre se adapta a uma nova situação, e tira vantagem dela, mesmo porque é esse o seu trabalho – por exemplo a demonização da gordura trans, que parecia vir pra prejudicar a maioria das indústrias de alimentos, mas elas só aprenderam a ganhar mais dinheiro com os alimentos mais leves e light, com 0% de gordura trans, mais vitamina d, cálcio, zinco (e vários asteriscos).

Enfim, acho que devemos, sim, lutar contra e não compactuar com a não-ciência que está sendo feita por aí (e ignorar os brindezinhos e agrados da indústria nos consultórios já é um bom começo), mas cuspir no prato em que se come certamente não é o caminho.

sábado, 25 de outubro de 2008

Ciência

"Acho que sempre vai haver uma
lacuna entre ciência e tecnologia."


É engraçado como parece que estamos vivendo todos na Idade Média de novo, só que dessa vez não é a Igreja que está mandando na parada, e sim a "Ciência". Não, a comparação não é bem essa; acho que a ciência é mais comparável com o Deus moderno, com um monte de igrejas diferentes espalhadas por aí.
Cada dia que passa ouço mais gente acreditando ou duvidando de coisas, defendendo ou negando-as só porque "dá (ou não) pra comprovar cientificamente".
Um exemplo bom e que é do meu dia-a-dia é o da homeopatia. "Ah, eu não acredito em homeopatia" é uma frase bem comum de ser ouvida no meio médico e acadêmico, e uma coisa que o professor da Liga de Homeopatia sempre disse é: "A homeopatia é reconhecida como especialidade médica desde 1979. Eu não entendo nada de Dermatologia, acho super complicado e não saio dizendo por aí que eu não acredito em Dermatologia". E ninguém sai, o que acontece com a Homeopatia e a Acupuntura tem uma boa dose de preconceito.
A Homeopatia é um bom exemplo porque é uma racionalidade médica completamente diferente, e os princípios terapêuticos não têm quase nada em comum com a alopatia. Ninguém consegue explicar como diabos ela funciona, simplesmente porque, pra quem não sabe, as diluições homeopáticas superam 10 elevado a 24 vezes, o que quer dizer (lembra do número de Avogrado, da época do cursinho??) que já não tem fisicamente nenhuma molécula ali. A explicação é que há energia proveniente da molécula que fica na chamada "memória da água", e a grande esperança dos entusiastas teóricos da Homeopatia é que a Física Quântica venha a elucidar como isso realmente funciona. Mas acontece é que funciona.
E vários estudos com duplo cego (quando um grupo toma placebo e outro grupo toma o medicamento, e nem quem está tomando nem os pesquisadores que fazem a coleta de dados sabem quem está tomando o que) comprovam uma eficácia maior do medicamento em relação ao placebo.
Bem, apesar de já ter falado bastante, não é minha intenção aqui entrar no mérito da homeopatia especificamente, mas sim exemplificar como a ciência está se transformando num dogma.
E pra onde essa ciência está caminhando?
Qual a utilidade das coisas que estão sendo descobertas e do que se pretende produzir?
Dizem que o conhecimento científico dobra a cada x anos, sendo que x decresce exponencialmente; no momento em que estamos, o conhecimento científico dobraria a cada 1 ano ou menos - o que não é surpresa pra qualquer um que venha a procurar um tema ou um artigo em qualquer banco de dados por aí; mas qual a significância desses trabalhos? Qual foi a última descoberta REALMENTE relevante da ciência?
"O que você esperava, se 90% de todos os
cientistas que já existiram estão vivos hoje?"


Será que, a exemplo da religião, novamente, já passamos pelo período de milagres e profetas freqüentes e agora estamos naquele em que debruça-se sobre velhas teorias e tudo o que se consegue tirar de novo vem de objetivos ou fontes duvidosos?
Justamente comecei a escrever esse post há algum tempo, na época em que tinham acabado de ligar o bendito acelerador de partículas, e resolvi terminá-lo agora, que pretendo escrever uma série de posts sobre ciência, depois que tive uma aula de ética sobre a indústria farmacêutica.
Realmente me preocupa o rumo que estamos tomando e a falta de crítica da maioria das pessoas em relação ao que é ciência. Onde acaba a ciência e começa a política, os interesses financeiros, a religião, e a própria humanidade?
É um pouco do que será discutido nos próximos posts! Aguardem... =)

- Consegui - descobri a partícula mais básica de todas!
- Descobri a partícula que compõe a partícula mais básica!
- Eu descobri a partícula de que são feitas as partículas que...

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Mangá com a sua cara

Olha eu aí!
Pra vocês que estão sem nada pra fazer, ou que, como eu, estão com muita coisa pra fazer mas preferem perder tempo com inutilidades na internet, vai aí a dica: Nesse site, dá pra criar, rápido e fácil, o seu avatar em estilo mangá.

Minha irmã

Meu namorado

O resultado pode ficar bem parecido, bonitinho, ou engraçado. Tem poucas ferramentas: no máximo dá pra colocar as sobrancelhas, o nariz ou a boca mais pra cima ou mais pra baixo em um dos modelos pré-estabelecidos de formato de rosto. Mas de qualquer forma, é simples e divertido. =)
Esse aí não é ninguém que eu conheço,
mas ficou bem legal!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Comunicação

Engraçado, esses dias, logo depois de eu ter resolvido escrever esse post, recebi um e-mail de um amigo com o link de um blog com diversas placas engraçadas, bizarras ou incompreensíveis.
Queria escrever sobre isso não só por causa das interpretações muito cômicas que se pode dar às placas, como essas que colquei aqui, mas porque eu nunca tinha parado pra pensar no potencial efeito desastroso de uma coisa dessas.

Há umas duas semanas eu tive uma aula sobre anomalias congênitas, e a professora comentou sobre a Talidomida. Pra quem não conhece, foi um medicamento ótimo que entrou no mercado em 1957 como sedativo e hipnótico, quase sem efeitos colaterais. O problema é que alguns anos depois, desocbriu-se o potencial teratogênico dessa medicação quando começaram a aparecer os casos da chamada "geração talidomida" - crianças que nasciam com mal-formações dos braços e pernas, chamadas conjuntamente de focomielia.
Depois do alarde pelas mais de 10 mil crianças afetadas, a droga foi temporariamente retirada do mercado, mas depois voltou com restrições, afinal há muitas drogas teratogênicas, e como foram evidenciados muitos benefícios de seu uso em doenças como a hanseníase, é só controlar o medicamento e não deixar que grávidas o utilizem, além de alertar as mulheres em uso sobre os riscos de engravidar, certo?
Bem, nem tão certo.

Acontece que em algumas cidades começaram a ocorrer casos de focomielia bastante tempo depois de o uso do medicamento ser controlado. O que aconteceu? Ora, para deixar bem claro que grávidas não deveriam fazer uso de talidomida, algum GÊNIO resolveu colocar um símbolo de "proibido" em cima da silhueta de uma mulher grávida na caixa do remédio e nas cápsulas, indicando obviamente, pra ele e pra nós, que agora já sabemos a merda que dá quando a grávida toma, que tais mulheres não podiam fazer uso da droga.



Acontece que não foi exatamente essa a interpretação das pessoas que acabaram desavisadamente tendo filhos mal-formados.
Alguém imagina o que pessoas que nunca ouviram falar na talidomida e nos bebezinhos mal-formados pensaram que era quando viram o tal do símbolo?
Isso mesmo, Anti-concepcional.
Não era óbvio?

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Censura, o retorno

Como eu escrevi sobre classificação etária e censura ultimamente, vou pegar o embalo e escrever de novo. Os principais parâmetros do Ministério da Justiça (e dos pais) na hora de definir a faixa etária que um filme vai receber são o conteúdo de cenas de violência e sexo. Engraçado, uma vez eu li um texto (não lembro de quem) que falava mais ou menos assim:

Uma família está sentada no sofá da sala assistindo a um filme. Então aparece uma cena em que um casal troca carícias na cama e eles resolvem usar o travesseiro para, digamos, proporcionar mais prazer na relação. O pai, constrangido muda de canal enquanto a mãe solta olhares de reprovação. No canal seguinte, em um filme de ação, um homem sufoca outro usando um travesseiro, e depois de matá-lo foge. Bem melhor, e agora e a família segue assistindo ao filme sem maiores problemas.

A violência e o sexo são muitas vezes equiparáveis em termos de apelo, inclusive por parte da produtora que quer vender um filme. Mas o sexo parece ter um impacto muito maior na hora de despertar a censura e as restrições em relação aos filhos. Ou seja, um travesseiro usado para matar alguém é muito mais aceitável do que o uso do objeto para dar prazer. Os pais surtam na hora em que aparecem aquelas cenas do mocinho com a mocinha que ultrapassam a clássica filmagem de uns beijinhos, a cortina, e eles acordando no dia seguinte, mas vamos juntar a família na sala pra ver o novo Jogos Mortais.
Dessa vez não vou escrever 5 páginas de texto, mesmo porque ainda vou voltar a esse tema, que me interessa bastante, de algumas outras formas.
Mas deixo aí de exemplo uma cena de Dragon Ball que, entre muitas outras, foi cortada no Brasil e nos EUA, e logo depois uma cena de Dragon Ball Z que passou na TV aberta, 10h30 da manhã, sem nenhum problema. Talvez pelo fato de não estarmos muito acostumados com referências sexuais em desenhos animados no ocidente, isso deve chocar um pouco os pais.
Eu sinceramente não acho que preferiria meus filhos assistindo e dando risada com a segunda cena mais que com a primeira, e quem acha, por favor, deve estar precisando de uma terapia...




terça-feira, 7 de outubro de 2008

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais!

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Oswald de Andrade
(1890-1954)


Essa que vai entrar em vigor ano que vem não é a primeira reforma ortográfica pela qual o Brasil passa. Para os puristas que se apegam tanto a alguns detalhes como o trema, como se saber utilizá-lo reiterasse sua superioridade intelectual, eu digo para que escrevam flôr e pharmácia, oras. Não adianta ficar reclamando, o que está feito está feito, resta se acostumar com a nova grafia e com o fato de não poder mais encher o saco das pessoas que esquecem do trema.
Bom, mas se não é pra reclamar, o que eu estou fazendo aqui? Ahn, é, tá bom, vou reclamar só um pouquinho, mas não vou reclamar das mudanças propriamente ditas, as quais eu resumo no que é mais importante no final do post e estão na íntegra na nossa amada Wikipédia (que agora ser escrita com w e k sem problemas). Mesmo porque eu não conseguiria reclamar com a beleza que Teixeira de Pascoales reclamou da reforma de 1911:

"Na palavra
lagryma, (...) a forma da y é lacrymal; estabelece (...) a harmonia entre a sua expressão gráfica ou plástica e a sua expressão psicológica; substituindo-lhe o y pelo i é ofender as regras da Estética. Na palavra abysmo, é a forma do y que lhe dá profundidade, escuridão, mistério... Escrevê-la com i latino é fechar a boca do abysmo, é transformá-lo numa superfície banal."

Essa reforma de agora visa a unificação do português, a 5ª língua mais falada do mundo, para que as regras ortográficas não demandem diferentes edições e impressões nos 8 países falantes da língua, o que teoricamente vai ajudá-la a ter maior expressividade no campo internacional. Aham. É só trocar 0,45% da ortografia das palavras brasileiras e 1,6% das portuguesas e a língua portuguesa passará a ser respeitada e considerada na ONU, e, como diz o meu namorado, as compras vão pular dentro do carrinho. Problema resolvido.
Será que alguém realmente tem alguma dúvida da hegemonia do inglês? Fizeram o Esperanto, uma língua inteirinha, pra unificar a ortografia, a gramática e o vocabulário do mundo inteiro mas o inglês está lá, firme e forte, o que é óbvio, dada a influência que acaba sendo exercida no resto do mundo - até alguém traduzir o nome de uma nova invenção, por exemplo, ela continua com o nome original (pelo menos aqui no Brasil ninguém deve estar usando o rato para rolar este texto).

O outro argumento que andam dando pra fazer essa reforma é que haveria redução dos gastos com edições e impressões de materiais gráficos. Mais uma bobegem; será que é preciso ser um génio para conseguir entender um texto em português de Portugal só pelo facto de escrevermos com algumas discordanciazinhas? Ou seja, se não há prejuízo do entendimento (é só ver quantos livros no mais puro vernáculo lusitano foram vendidos por Saramago na terra verde e amarela), tanto faz o jeito que eles imprimem.

Finalmente, dizem que a reforma vai unificar o ensino da Língua Portuguesa no mundo. Claro, é só ver como num país em que todo mundo supostamente escreve igual, como o Brasil, a unificação do ensino da língua é uma realidade; se não fosse, certamente veríamos um monte de analfabetos funcionais saindo da 8ª série e a nota desses alunos no IDEB não seria de fantásticos 3,8 pontos! Uhu, quase 40% de aproveitamento, hein?!

Quero ver quem unifica isso...

Acho que uma boa parte desses pseudo-problemas podia ser resolvida mais facilmente se todas essas questões que geram discordâncias fossem de grafia facultativa. Por que não deixar o coitado do cara escrever o abysmo que me parece tão mais poético agora, com y? Por que obrigar alguém a tirar o trema da sua linguiça se ela perde um tanto do seu gostinho? Claro, porque os puristas sempre estão lá. São milhares de tias marocas escondidas por aí que acham que pra existir o certo, tem que ter o errado, e que isso é ortografia, que isso é a nossa Língua Portuguesa.
Eu acho, por outro lado, que a língua deve ser, e freqüentemente, reformada. Isso porque a língua precisa disso para estar viva. Ninguém precisa unificar o latim, ele está lá, perfeito e puro, vamos estudar latim! A língua falada e escrita é modificada todo dia pela fala, pelo uso. Qualquer outra natureza dessas modificações é uma aberração, um mecanismo antinatural da linguagem.
Aliás, pra terminar o post antes de colocar as mudanças da reforma, queria voltar no poema do Oswald de Andrade do começo, que se chama Pronominais. Acho que deviam deixar o hífen e os acentos quietinhos e reformar é a colocação pronominal! Que brasileiro sabe usar próclise, ênclise e mesóclise no lugar certo, afinal??


Principais alterações feitas pela reforma ortográfica de 1990:
1. Trema, só em nomes próprios;
2. Hífen não será mais usado:
- quando 2ª palavra começar com s ou r (antissemita, contrarregra)
*exceto quando o prefixo termina em r (inter-, super-, hiper-)
- quando sufixo termina com vogal e 2ª palavra começa com vogal diferente (autoescola)
*por essa regra, o hífen passará a ser usado em palavras como micro-ondas e arqui-inimigo.
3. Não se usará mais acento circunflexo:
- na 3ª pessoa do plural do presente do indicativo ou do sujuntivo dos verbos: crer, dar, ler e ver.
- nas palavras terminadas em hiatos com dois os. (enjoo, voo)
4. Não se usará mais acento agudo:
- nnos ditongos abertos ei e oi de palavras paroxítonas (ideia, heroica)
- nas paroxítonas com e e u tônicos quando precedidas de ditongo (feiura)
- nos verbos com u tônico depois de q ou g ou antes de e ou i (averigue, apazigue, arguem)
5. Não se usará mais acento diferencial (para, pela, pelo, polo, pera)
6. 26 letras no alfabeto.

No português de Portugal, a mudança alterará bem mais palavras, como o h que deixará de existir em húmido ou herva e as consoantes mudas de palavras como acto e óptimo (passam a ser escritas como no Brasil: úmido, erva, ato e ótimo).

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Surreal

Bem, eu queria muito escrever aqui sobre dois temas que estão me encafifando ultimamente, mas tenho prova amanhã e é praticamente impossível, então semana que vem eu escrevo.
Então, como quando eu tenho prova faço de tudo pra enrolar e não começar a estudar logo (estou com a apostila de eletrocardiograma bem na minha frente), estava vendo vídeos no youtube e resolvi colocar um aqui, só pra essa semana não passar em branco. Claro que acabei de gastar mais de meia-hora lendo tirinhas do Calvin sob o pretexto de procurar uma que eu tinha lido há algum tempo e queria colocar nesse post.
Agora chega de enrolar, né?


Com esse vídeo (e, de certa forma, com esse blog todo), tenho a intenção de, como o Calvin, deixar a vida das pessoas um pouco mais surreal...



É isso, e agora eu vou estudar que amanhã tem que tirar 7 na prova!!

PS: Cliquem na tirinha pra ver maior, eu sei que assim é ruim de ler.
Aliás, a tradução do texto da tirinha é:
- Oi, aqui é o Calvin! Eu queria uma pizza grande de anchova!
- Hã? Eu...
-Oh, desculpe, você deve ter ligado errado. Tchau.
- Eu tento fazer com que o dia de todos seja um pouco mais surreal.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Classificação: [Deus me] Livre

Uma coisa que me incomodava desde antes de eu ter a primeira faixa etária de restrição de um filme (que antigamente era 12 anos) era a existência desse classificação. Em casa, claro, isso acaba não fazendo muita diferença; se os meus pais me deixavam ficar na sala vendo um filme e ele me interessasse, ótimo; senão eu ia fazer outra coisa.Não faz muito tempo que é obrigatório aparecer a classificação na tela embaixo de todos os programas de tevê, mas no cinema a coisa pega mais, e lembro que a lei já mudou várias vezes.

Quando eu tinha uns 11 anos fui ver A Bruxa de Blair com as minhas amigas da mesma idade (a classificação era 14a) e todo mundo entrou de boa - o que é lamentável, preferia ter ficado do lado de fora, considerando aquele lixo de filme. Algum tempo depois, pude entrar em Fim dos Dias só acompanhada da minha tia, que era um adulto maior de idade. Dali a algum tempo, tiraram a mim, minha irmã e a mesma tia da sala de As Panteras, isso mesmo, tiraram a gente no meio do filme, porque a minha irmã tinha só 10 ou 11 anos, o que é evidentemente uma idade muito jovem para assistir a um filme de tal complexidade e ainda com cenas tão pesadas de violência e sexo; onde estávamos com a cabeça de querer corrompê-la dessa maneira?! Sorte que trocaram os nossos ingressos para vermos o maravilhoso 102 Dálmatas! Irônico, porque uma semana antes tínhamos ido as três ver o primeiro "Todo mundo em pânico".

A classificação indicativa é feita, no Brasil, pelo “Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação” do Ministério da Justiça. Segundo eles, pessoas treinadas fazem um processo incrivelmente bom de seleção para preservar a nossa amada família feliz e pura, protegendo-a das perversões televisivas/ cinematográficas/ videogueimescas que possam tentar aliciar nossos filhos por um caminho de perdição.

Não acho ruim que os pais possam ter uma noção de que conteúdo gostaria que seus filhos pequenos assistam, ou que haja um horário apropriado para cada tipo de programação. É legal podermos escolher, pelo conteúdo, se queremos que alguém veja, se nós mesmos queremos ver ou ao lado de quem queremos ver.

Só que eu lembro que muita gente fala que tal filme tem censura 14a e não "classificação indicativa". Talvez por uma lembrança remota da época em que a tal censura era muito comum, mas há uma certa razão considerando que classificar o que você pode ou não ver não deixa de ser, afinal, censura.

Acho totalmente retardado que filmes com classificação 12 ou 14 anos sejam restritivos, e não só indicativos. Deveria haver uma explicação dos motivos da classificação etária, talvez até com uma descrição das cenas que a motivaram, como tem no imdb. Aí a pessoa resolve se quer ou não ver o filme, sendo ela menor do que a classificação etária. Ou talvez permitir que pessoas com 2 ou 3 anos abaixo da indicação entrem no filme, menores que isso só com autorização dos pais. Teve uma época em que acompanhadas dos pais, os menores de qualquer classificação etária exceto 18 anos podiam entrar. Faz um certo sentido, mas ainda acho que a restrição total de 18 anos é exagerada pra muitos filmes, e talvez devesse valer só pra filmes realmente pornográficos (que é a razão pela qual imagino que foi feita a exceção). Acho que sou conservadora o suficiente pra imaginar que não faz nenhum sentido você ir acompanhado de seus pais ver o novo sucesso da Emanuelle (argh).

Sei que o Estatuto da Criança e do Adolescente quer que os menores sejam protegidos, mas acho que, em primeiro lugar, cumpre aos pais algo nesse papel, e em segundo lugar, o serviço não está sendo feito muito direito.

Na verdade, eu tenho a sensação de que pessoas mal treinadas usando conceitos hipócritas levam a classificações inadequadas, ou mesmo ridículas. Não entendo, por exemplo, o fato de Harry Potter 4 ser 12 anos. Oh, ele é mais violento que os outros, ok, mas é um filme de criança! O lobo come a vó da chapeuzinho, e o caçador não menos sanguinário atira no bicho e abre sua barriga, então só vamos contar a historinha pros nossos filhos quando começarem a aparecer espinhas na cara deles. Algum nível de violência faz parte, é intrínseco da relação maniqueísta que está nas historinhas infantis. Por outro lado, vamos dar uma olhadinha nesses dois exemplos de filmes 14 anos: Closer - Perto Demais e Priscila, a Rainha do Deserto. O primeiro é um filme sobre relações amorosas, essencialmente fala de sexo, com diálogos de caráter sexual não muito fortes, mas provavelmente suficientes pra você desejar que a sua mãe não esteja na sala. O segundo é uma comédia sobre um grupo de travestis que viaja em um ônibus fazendo shows, e que tem alguma referência a uso de drogas, que eu me lembre. Minha vó tinha o VHS e eu assisti milhares de vezes quando era criança, com a família toda, porque adorava o filme.

Ué, mas será que só eu fiquei com a impressão que há um abismo entre as impropriedades dos dois filmes que, no entanto, receberam a mesma classificação? Ah, mas você não vai querer que o seu filho assista a um filme de travestis, não é mesmo? O fato de O Segredo de Brokeback Mountain ter recebido classificação 16 anos contraria o meu bom-senso que me diz que qualquer idiota vê que as cenas de insinuação sexual ou violência lhe renderiam no máximo um 14 anos, mas ainda assim o ministério nos diz que a presença de homossexualidade não aumenta a classificação indicativa de um programa, muito pelo contrário, a diversidade é estimulada e qualquer forma de preconceito é condenável por lei. Aham.

Então é isso, eu acho que seria ótimo ter uma classificação que me ajudasse a escolher o que eu quero ver ou o que eu acho que os meus filhos (ou a minha mãe) devem assistir, mas não quero para tal me basear em decisões tendenciosas que uns idiotas têm por aí. Não consigo me conformar que as criancinhas tenham que esperar Harry Potter sair na locadora enquanto assistem a Os Simpsons na TV Globinho. No site do Ministério da Justiça tem um novo espaço pra você procurar o nome de um filme num bando de dados, ver a classificação indicativa, o porquê dela e concordar ou discordar. Não sei se vai fazer alguma diferença, mas estou me divertindo xingando as classificações que acho ruins.

No fim das contas a solução pros pais preocupados é simples; no fundo no fundo as crianças deviam ver só TV Cultura, que são os caras em cujo bom-senso eu confio, mesmo porque eu lembro que as roupas que a Xuxa e a Eliana usavam não eram muito cristãs (claro, pro papai não mudar de canal).

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira


A sensação como saímos do cinema deve ser capaz de dizer algo sobre o filme que acabamos de ver. Os últimos filmes a que assisti e de que me lembro foram Batman - Cavaleiro das Trevas, que me fez sair da sala com uma sensação de frio na barriga igual àquela de quando fecham a sua trava no Evolution, e Juno, que me fez sair com um sorriso meio bobo e vontade de ouvir música ruim.
A sensação que tive sábado ao terminar de ver Ensaio Sobre a Cegueira está me acompanhando até agora, mas muito mais difícil de determinar. Saí com vontade de chorar, mas não de tristeza ou comoção, mas daquele choro amargo de raiva de si mesmo, de desespero, de culpa. Sinto que o filme entrou em mim e lembranças e pensamentos ao seu respeito aparecem na minha cabeça de vez em quando e atrasaram o meu sono à noite. Saí com a sensação de que preciso ver o filme de novo, quase compulsivamente, e que ao mesmo tempo posso assisitr quantas vezes for e vou continuar igualmente cega.
Infelizmente ainda não li o livro que deu o Nobel a Saramago, o que talvez tenha me ajudado a ver o filme sem todo aquele juízo de valor que a comparação com o livro inevitavelmente traz (talvez eu não tivesse odiado O Caçador de Pipas se eu não tivesse lido o livro; e O Código daVinci... não, esse é um lixo mesmo, eu teria odiado de qualquer jeito). Mas achei o clima surreal meio parecido com o de As Intermitências da Morte, apesar de a força da metáfora ser mais forte.
É uma história de algum lugar (uma cidade? um país? o mundo todo?) em que se instala uma epidemia de cegueira, uma cegueira branca contagiosa e sem cura. Os primeiros afetados são atirados em um hospíco desativado numa quarentena forçada. Acontece que a Esposa do Doutor diz estar cega para acompanhá-lo, e se vê em uma situação quase insustentável conforrme vão chegando mais e mais doentes - e cada vez mais responsabilidades - sendo ela a única a enxergar.
O filme tem um clima bem apocalíptico e não pretende vender uma daquelas histórias de ficção científica com uma explicação sobre de onde veio o agente da "doença branca" ou de uma conspiração do governo para encobrí-la, nada do tipo Eu sou lenda (que, aliás, também conta com Alice Braga no elenco, mas não vamos viajar, esse filme é um verdadeiro lixo), o que talvez seja o que fez com que alguns tenham achado a história do filme ruim. Bem, talvez seja porque nada disso que eu disse sobre a trama seja de fato importante; o filme é uma algoria, e como eu já disse, a história é só um argumento meio surreal pra desenvolvê-la.
Não é um filme leve pra assistir com a mamãe num domingo à tarde. Na verdade, antes de chegar à versão cortada a que podemos assistir no cinema, o diretor Fernando Meirelles disse no blog que manteve sobre [as dificuldades d]a produção do filme que no test screening de fevereiro, 58 mulheres (de 540 pessoas que estavam assistindo) saíram no meio da sessão.
Também não me parece que o filme não prenda ou que a história se perca ao tentar passar para as telas um livro que, em 1995 Saramago disse ser "infilmável". Parece que o mesmo Saramago mudou de idéia ao emocionar-se às lágrimas quando, proibido por seu médico de ir à abertura do Festival de Cannes terminou de ver a cópia que Meirelles levou-lhe em Portugal, três dias depois. E ainda disse ter ficado tão feliz depois de ver o filme quanto ficou depois de ter escrito o livro. Claro que não é suficiente pra dobrar a língua dos críticos por aí - é um filme bem daqueles ame-o ou odeio-o, num estilo meio Dogville.

Fora as ótimas atuações (principalmente da Juliane Moore) e do trabalho primoroso de Meirelles com as cenas (O Jardineiro Fiel e Cidade de Deus são excelentes, mas esse filme é uma obra-prima), o mais impressionte é o quanto o filme é intenso, em como ao ver Ensaio Sobre a Cegueira você vai passar pela maioria das sensações e sentimentos humanos - a desconfiança, o desespero, o ódio, a revolta, a humilhação, o medo, e claro, a esperança, tudo de uma forma rápida e delineada pela trilha sonora, a partir de uma identificação com personagens de quem só se sabe serem o "Doutor", a "Esposa do Doutor", a "Mulher de óculos escuros" ou o "Homem de tapa-olho".

Enfim, amem ou odeiem, mas vão ver esse filme.