terça-feira, 7 de outubro de 2008

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais!

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Oswald de Andrade
(1890-1954)


Essa que vai entrar em vigor ano que vem não é a primeira reforma ortográfica pela qual o Brasil passa. Para os puristas que se apegam tanto a alguns detalhes como o trema, como se saber utilizá-lo reiterasse sua superioridade intelectual, eu digo para que escrevam flôr e pharmácia, oras. Não adianta ficar reclamando, o que está feito está feito, resta se acostumar com a nova grafia e com o fato de não poder mais encher o saco das pessoas que esquecem do trema.
Bom, mas se não é pra reclamar, o que eu estou fazendo aqui? Ahn, é, tá bom, vou reclamar só um pouquinho, mas não vou reclamar das mudanças propriamente ditas, as quais eu resumo no que é mais importante no final do post e estão na íntegra na nossa amada Wikipédia (que agora ser escrita com w e k sem problemas). Mesmo porque eu não conseguiria reclamar com a beleza que Teixeira de Pascoales reclamou da reforma de 1911:

"Na palavra
lagryma, (...) a forma da y é lacrymal; estabelece (...) a harmonia entre a sua expressão gráfica ou plástica e a sua expressão psicológica; substituindo-lhe o y pelo i é ofender as regras da Estética. Na palavra abysmo, é a forma do y que lhe dá profundidade, escuridão, mistério... Escrevê-la com i latino é fechar a boca do abysmo, é transformá-lo numa superfície banal."

Essa reforma de agora visa a unificação do português, a 5ª língua mais falada do mundo, para que as regras ortográficas não demandem diferentes edições e impressões nos 8 países falantes da língua, o que teoricamente vai ajudá-la a ter maior expressividade no campo internacional. Aham. É só trocar 0,45% da ortografia das palavras brasileiras e 1,6% das portuguesas e a língua portuguesa passará a ser respeitada e considerada na ONU, e, como diz o meu namorado, as compras vão pular dentro do carrinho. Problema resolvido.
Será que alguém realmente tem alguma dúvida da hegemonia do inglês? Fizeram o Esperanto, uma língua inteirinha, pra unificar a ortografia, a gramática e o vocabulário do mundo inteiro mas o inglês está lá, firme e forte, o que é óbvio, dada a influência que acaba sendo exercida no resto do mundo - até alguém traduzir o nome de uma nova invenção, por exemplo, ela continua com o nome original (pelo menos aqui no Brasil ninguém deve estar usando o rato para rolar este texto).

O outro argumento que andam dando pra fazer essa reforma é que haveria redução dos gastos com edições e impressões de materiais gráficos. Mais uma bobegem; será que é preciso ser um génio para conseguir entender um texto em português de Portugal só pelo facto de escrevermos com algumas discordanciazinhas? Ou seja, se não há prejuízo do entendimento (é só ver quantos livros no mais puro vernáculo lusitano foram vendidos por Saramago na terra verde e amarela), tanto faz o jeito que eles imprimem.

Finalmente, dizem que a reforma vai unificar o ensino da Língua Portuguesa no mundo. Claro, é só ver como num país em que todo mundo supostamente escreve igual, como o Brasil, a unificação do ensino da língua é uma realidade; se não fosse, certamente veríamos um monte de analfabetos funcionais saindo da 8ª série e a nota desses alunos no IDEB não seria de fantásticos 3,8 pontos! Uhu, quase 40% de aproveitamento, hein?!

Quero ver quem unifica isso...

Acho que uma boa parte desses pseudo-problemas podia ser resolvida mais facilmente se todas essas questões que geram discordâncias fossem de grafia facultativa. Por que não deixar o coitado do cara escrever o abysmo que me parece tão mais poético agora, com y? Por que obrigar alguém a tirar o trema da sua linguiça se ela perde um tanto do seu gostinho? Claro, porque os puristas sempre estão lá. São milhares de tias marocas escondidas por aí que acham que pra existir o certo, tem que ter o errado, e que isso é ortografia, que isso é a nossa Língua Portuguesa.
Eu acho, por outro lado, que a língua deve ser, e freqüentemente, reformada. Isso porque a língua precisa disso para estar viva. Ninguém precisa unificar o latim, ele está lá, perfeito e puro, vamos estudar latim! A língua falada e escrita é modificada todo dia pela fala, pelo uso. Qualquer outra natureza dessas modificações é uma aberração, um mecanismo antinatural da linguagem.
Aliás, pra terminar o post antes de colocar as mudanças da reforma, queria voltar no poema do Oswald de Andrade do começo, que se chama Pronominais. Acho que deviam deixar o hífen e os acentos quietinhos e reformar é a colocação pronominal! Que brasileiro sabe usar próclise, ênclise e mesóclise no lugar certo, afinal??


Principais alterações feitas pela reforma ortográfica de 1990:
1. Trema, só em nomes próprios;
2. Hífen não será mais usado:
- quando 2ª palavra começar com s ou r (antissemita, contrarregra)
*exceto quando o prefixo termina em r (inter-, super-, hiper-)
- quando sufixo termina com vogal e 2ª palavra começa com vogal diferente (autoescola)
*por essa regra, o hífen passará a ser usado em palavras como micro-ondas e arqui-inimigo.
3. Não se usará mais acento circunflexo:
- na 3ª pessoa do plural do presente do indicativo ou do sujuntivo dos verbos: crer, dar, ler e ver.
- nas palavras terminadas em hiatos com dois os. (enjoo, voo)
4. Não se usará mais acento agudo:
- nnos ditongos abertos ei e oi de palavras paroxítonas (ideia, heroica)
- nas paroxítonas com e e u tônicos quando precedidas de ditongo (feiura)
- nos verbos com u tônico depois de q ou g ou antes de e ou i (averigue, apazigue, arguem)
5. Não se usará mais acento diferencial (para, pela, pelo, polo, pera)
6. 26 letras no alfabeto.

No português de Portugal, a mudança alterará bem mais palavras, como o h que deixará de existir em húmido ou herva e as consoantes mudas de palavras como acto e óptimo (passam a ser escritas como no Brasil: úmido, erva, ato e ótimo).

3 comentários:

Douglas Neves disse...

Eu acho que a reforma deveria ir além! Banalizar a escrita de forma a facilitar as coisas.

Acentos: só quando muda fonéticamente a palavra, por exemplo, "e" e "é", "pêra" e "pera", e nas proparoxitonas.
X, CH, SS, Z, Ç, S: palavras com X usam X, palavras com som de S usam S e palavras com som de Z usam Z. SS, CH e Ç não deveriam mais ser usados.

Ia ser uma mudança enorme e todo mundo ia literalmente voltar a ser analfabeto.

Imagina só?

Um testo nesa nova lingua ia ficar muito estranho... mas pelo menos todo mundo ia saber escrever melhor do que é hoje, pois seria mais fásil ensinar.

Fabiana disse...

Érika, você tá andando com lingüistas? Haha

De acordo com Saussure, o Pai da Lingüística (sim, eu aprecio o trema, haha), o signo é arbitrário, portanto não tem relação com o objeto representado. É pura convenção.

O único argumento que aceito para a existência da gramática normativa (ou da tia Maroca) é que se cada um for escrever do jeito que bem entende, em (muitos) momentos teremos de (tentar) ler textos (quase) incompreensíveis.
"Acho que uma boa parte desses pseudo-problemas podia ser resolvida mais facilmente se todas essas questões que geram discordâncias fossem de grafia facultativa. Por que não deixar o coitado do cara escrever o abysmo que me parece tão mais poético agora, com y? Por que obrigar alguém a tirar o trema da sua linguiça se ela perde um tanto do seu gostinho?"
O que você propõe é quase a existência de duas formas na língua falada... como o clássico exemplo de "você" e "cê". Realmente a língua é um organismo vivo e sua reforma ocorre de forma natural, sem que os falantes "opinem". Parece claro que a reforma ortográfica não irá mudar as coisas da noite pro dia; a maioria das pessoas usará com freqüência as formas "antigas". Meu professor de Sociolingüística, por exemplo... disse que não vai deixar de usar o trema e ponto.
Então tá. xD

Fabiana disse...

Esse é um tema que estava te encafifando? Haha