Ultimamente eu estou com muito azar.
Sabe quando tudo dá errado naquelas coisinhas que dependiam um mínimo do destino, tipo o ônibus sair adiantado e você não conseguir pegar, uma prova desgraçada que não cai nada do que você estudou, a internet não estar funcionando, esquecer uma comida supergostosa fora da geladeira e não ter nada pra almoçar porque azedou... Sem falar no gerente do banco que quer atrasar minha vida, do dia em que fui no bandejão esperando steak e tinha kibe, das duas vezes que eu tentei ir ao teatro e não consegui ver a peça, ou de pegar uma carona e ter que ir espremida com mais três desconhecidos no banco de trás de um celta.
Enfim, todas as coisinhas que parecem ínfimas e que vão se juntando numa bola de neve no decorrer das semanas e que, junto com o baque de voltar a uma rotina estressante, saindo de casa 7h45 e chegando a voltar 23h15, como foi o caso ontem, tendo aulas ininterruptamente, acabam provocando uma avalanche de fato.
Nesses dias em que eu tenho vontade de gritar e espernear porque não pode ser que tudo está dando tão errado, eu tento parar, pensar e olhar para os lados.
Claro que num dia-a-dia de estar sempre no hospital, vendo o aspecto de maior fragilidade das pessoas, não fica difícil concluir que os meus problemas, comparados com os dos outros, não são nem problemas. Mas esse é um jeito meio pessimista de ser otimista; quer dizer, enxergar a desgraça do outro pra concluir que eu sou feliz, ou que eu poderia ser muito mais desgraçada mas graças a Deus não sou me parece um jeito meio frio e triste de se livrar dos problemas. Aliás, dizem que é por isso que junta tanta gente em volta de acidente ou gente morta na rua, porque a desgraça alheia nos é agradável, não tem jeito melhor de reafirmar que estamos vivos do que ao nos contrapormos a alguém que está morto, ali na nossa frente.
Mas sejamos mais otimistas. Quando eu digo "olhar para os lados" estou pensando em minimizar os nossos problemas em relação às coisas boas, não deixarmos de valorizá-los porque há outros problemas maiores, mas sim porque só nós os valorizamos e isso não faz diferença pra ninguém além de nós mesmos. Apesar de termos a nítida impressão de que somos personagens principais do Mundo e todo o resto é coadjuvante, não dá pra esquecer de que não estamos no Show de Truman. Os lugares não passam a existir de verdade só porque fomos lá e as pessoas não estão passando pela rua só pra dar mais verossimilhança ao nosso passeio.
Olhar para os lados é ver que os ipês se enfileiram floridos e as amoras dão de monte nessa época do ano, inexoravelmente. É poder apreciar, uma coruja austera que levanta vôo de cima do fio de eletricidade e depois dá um rasante, provavelmente alheia à sua própria beleza. Pensar que se eu não tivesse perdido o ônibus e voltado à pé, provavelmente não teria visto a coruja que acabou, em última análise, inspirando esse post.
E vou usar de novo essa palavra de que eu gosto tanto, que tem uma sonoridade ao mesmo tempo bonita e apreensiva, assim como seu significado que capta tão bem a essência desse mundo, desse mundo que às vezes me faz sentir tão insignificante, desse mundo inexorável.
Um comentário:
Nossa, que post legal! :)
Você pode fazer como naquela velha história do homem que colocava uma pedra em seus sapatos (ou comprava sapatos de tamanho menor que seus pés?) e passava o dia inteiro com os sapatos assim, só para no fim do dia e ter o PRAZER de tirá-los, já que esse era seu único prazer durante o dia.
Claro que eu estou brincando, não faça isso! "Deixar de sofrer" não pode ser qualificado como um prazer real.
Continue vendo as corujas, elas sempre estarão lá.
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