Anteontem eu terminei de ler, às 3h da manhã, o livro Demian, de Herman Hesse.
É um livro incrível, que apesar de seu conteúdo denso apresenta, na medida no possível, uma leitura bem fluida. Não insere-se, de forma alguma, na categoria de livros que contam histórias, como os que citei no post "por que não ler só por ler?", pois apesar de conter uma história interessante, e, a partir de certo ponto até mesmo fantástica, isso é o menos importante e o livro apresenta muito conteúdo artístico, literário e (talvez principalmente) filosófico.
Pertence a um gênero conhecido como "Bildungsroman" (algo como 'romance de formação' em Alemão), no qual o autor apresenta a formação da personalidade psicológica, moral e social do protagonista, geralmente jovem.
Se tem uma coisa que aprendi no meu curso de Literatura e Psicanálise semestre passado foi a sempre pesquisar sobre o autor antes de começar a ler um livro seu. Pois bem, nesse caso é quase impossível negar o caráter auto-biográfico do livro.
Herman Hesse nasceu na Alemanha, em 1877, filho de missionários prostestantes que queriam que o filho seguisse o mesmo caminho pelo Cristianismo. Ele, entretanto, abandonou o seminário e foi para a Suíça, onde naturalizou-se, trabalhando em livrarias e posteriormente escrevendo seus romances. Viajou para a Índia em 1911 onde teve contato com o Budismo; também conheceu Jung e suas teorias psicanalíticas. Chegou a tentar o suicídio. Teve bom reconhecimento literário, e a partir de algumas publicações de sucesso passou a viver de escrever. Colocou-se contra a guerra e contra o patriotismo, sendo muito condenado pelo povo alemão. Ganhou o Nobel de Literatura em 1946 por "Jogo das Contas de Vidro" e morreu em 1962.
Além de muitos desses acontecimentos em rumo à maturidade - o rompimento com o mundo paterno para encontrar a si mesmo, o encontro com a espiritualidade - serem muito próximos entre a história do protagonista e a do próprio Hesse, ele publicou Demian sob o pseudônimo de Emile Sinclair, nome do protagonista tirado, segundo o autor, de um amigo por quem tinha grande admiração.
É difícil resumir a história do livro sem spoilers, apesar de eu achar que isso é o de menos; por exemplo, se você viu uma daquelas palestras de vestibular ou leu o resumo de Memórias Póstumas ou Macunaíma, isso não deve diminuir o prazer da leitura, certo?
Bem, o livro apresenta-nos uma trajetória de uma criança tornando-se homem, num caminho cheio de sofrimeno, rupturas e simbolismos. O próprio Sinclair identifica um "mundo luminoso e reto", ideal, de dentro de sua casa, com seus pais e irmãs perfeitamente virtuosos; o mundo lá fora é o mundo proibido, obscuro, misterioso e cruel. Sinclair entra em contato com esse mundo ao ser extorquido por um garoto da escola pública, e, mais tarde, ao travar uma conversa decisiva com Demian, um aluno mais velho, que parece apresentar em seu rosto um aspecto sábio e atemporal, oferecendo-lhe outra interpretação para a história bíblica de Caim e Abel. A substituição da contraposição entre o Mal e o Bem pela entre o Forte e o Fraco, o Corajoso e o 'Cordeiro' perpetuará na história como metáfora que culminará na busca do conhecimento por si mesmo e na substituição da Moral do mundo luminoso pela Ética, que deve ser pessoal e pura, seguida estreitamente e determinante da própria condição de Homem.
Demian acaba sendo o alter-ego de Sinclair, seu ideal e seu ídolo, pertencendo claramente ao mundo das sombras - e a dualidade entre os dois mundos, o ideal e o real, o em que Sinclair se insere e o a que ele quer pertencer acaba tranferindo-se à síntese representada por "Abraxas", a divindade que reúne em si o Deus e o Demônio, o Bem e o Mal.
Interessante é que isso parece estar presente no Magnum Opus (algo como Grande Trabalho) na Alquimia, que se refere à transformação de metais em ouro e à produção da Pedra Filosofal (que são metáforas para o próprio crescimento pessoal e busca da essência humana), e tem três estágios:
* nigredo(-putrefactio): individuação, purificação, remoção completa das impurezas;
* albedo, branqueamento: espiritualização, iluminação;
* rubedo: unificação do homem gom deus, unificação do limitado com o ilimitado.
Certamente esse seria um livro bem mais aproveitado se eu tivesse mais conhecimentos sobre filosofia, teologia, psicanálise junguiana ou alquimia. Entretanto, acredito que qualquer indivíduo pensante vai apreciar muito a leitura de qualquer forma, e a Wikipédia também pode ser uma boa fonte de conheimentos limitados, porém instantâneos, sendo um bom pontapé inicial. Eu também gostaria muito de discutir algumas das metáforas e idéias apresentadas no livro, em passagens mais específicas, então quem já leu ou futuramente venha a ler, por favor, venha conversar comigo!
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7 comentários:
Bem eu segui o seu conselho e comecei a ler demian, ainda nao ha muito para dizer mas seria muito bom trocar algumas ideias acerca do mesmo futuramento, se vc quiser claro..
Se gostar de poesia dê um pulo aos meus blogues la encontrara de tudo um pouco, e comente claro..=p..
bj Andre
Se você for do tipo de pessoas que empresta livros, eu aceito! :)
Éka!
Só fui descobrir esse seu blog agora!
Gosto muito dos seus textos e principalmente da sua linha de raciocínio, que sempre foi um norte para mim no que se refere ao bom-senso.
Agora fiquei com vontade de ler Hermann Hesse... o Gustavo já havia me indicado "O lobo da estepe", agora você. Vou procurar algo dele logo.
Beijos!
Teia!
Estou refazendo meu blog (o antigo está hospedado no wordpress.com) e estava pensando em utilizar a figura de Abraxas para ilustrar a primeira postagem. Arrumando os links de blogs que costumo ler, acabei lendo o seu texto sobre "Demian".
Quais metáforas (algumas não serão fáceis de lembrar, afinal li o livro há mais de um ano, hehehe) e idéias você gostaria de discutir? (risos)
Quando reflito sobre o livro, o símbolo central me "atormenta": há quem diga que temos o Bem e o Mal dentro de nós (algo como Abraxas?), mas a citação que é título da postagem continua: "(...) O pássaro voa até Deus. O nome desse Deus é Abraxas".
Como é a "transcendência"?
Confesso que fiquei com uma impressão meio ruim do Hesse depois que eu comecei a ler O Lobo da Estepe sem conseguir conclui-lo... Achei realmente muito denso e o livro começou a me irritar... Olhando agora acho que o problema foi que eu tentei ler o livro ainda muito novo, mas até hoje fiquei com um pé atrás, hehe (nunca é tarde pra superar, né??). Já o Thomas Mann é o senhor umas belas metáforas! Morte em Veneza e a Montanha Mágica são de chorar de tão bons!
Hey!
eu li Sidarta do Hesse e tem muitas idéias legais, mas eh muito dificil de absorver.. (tanto que eu ñ lembro quase nada). Depois do seu post to ateh cogitando ler o Lobo da Estepe depois q eu terminar Musashi.. acho q hj em dia eu conseguiria extrair mais do livro... fora q na velocidade que eu tenho conseguido ler da tempo de mastigar muuuito as ideias. ¬¬
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